sábado, 19 de setembro de 2009

A vocação franciscana - parte II: Assim eram chamados: penitentes de Assis

Por frei Arnaldo Aragão OfmConv
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Continuando, do dia 31 de agosto de 2009, a reflexão em preparação para a solenidade dos 800 anos de fundação do carisma franciscano.

Estamos às vésperas da solenidade de morte do nosso seráfico pai São Francisco. Neste ano esta solenidade se dará de modo todo especial, pois estamos comemorando os oitocentos anos do nascimento da Ordem Franciscana ou carisma franciscano. Para evitar todo e qualquer anacronismo é necessário voltar ao princípio deste acontecimento.
Não podemos pensar que frei Francisco no começo criou uma “ordem” tal qual conhecemos hoje, até porque o seu desejo primeiro era “começar a fazer penitência”. E isto ele o fez até o último suspiro que Deus lhe concedeu na “terra dos homens”. Começar a fazer penitência é indubitavelmente a condição da possibilidade para entendermos o caminhar nascedouro da vida de Francisco e conseqüentemente o resultado da sua conversão.
Sendo assim, Francisco e os seus companheiros eram conhecidos e definidos como os penitentes de Assis. É sabido que anteriormente a Francisco já existiam grupos ou movimentos que se denominavam penitentes; isto porque é saudade da nossa alma buscar Deus e para chegar a Ele é necessário fazer penitência. Aqui entendida como concreção de um encontro com Cristo e não como um fardo duplamente pesado. É neste espírito que Francisco inicia sua trajetória, a partir da alocução do crucificado: “Francisco vai e restaura minha Igreja, que em ruínas cai”.
Toda e qualquer penitência indica mudanças, na linguagem religiosa – conversão. Todo processo de conversão é exteriorizado, isto é, colocado em miúdos aquilo que foi significativo para uma mudança de vida. É nesta direção que Francisco se encontra no começo. O ideal evangélico o atraiu de tal forma que ele quis viver de um modo todo especial, a modo de pobre: uma túnica, bastão, cinto, sacola, sandálias, etc, são substituídos por apenas um saco de pano surrado, descalço e o cordão na cintura como cinto, esse era o seu traje de festa. Essa mudança interior e exterior atrai outras pessoas para si: assim vieram os primeiros companheiros de Francisco. Assim começou a formar “os penitentes de Assis” que algum tempo mais tarde serão chamados de irmãos menores, a exemplo de Jesus Cristo que também se fez irmão menor para a salvação de todos.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Dia da impressão dos Estigmas em São Francisco

Celebramos hoje o dia da impressão das chagas do Crucificado em Francisco. Isso aconteceu no Monte Alverne, quando ele se retirou para a celebração da quaresma de São Miguel Arcanjo. Depois de profundos momentos de oração Francisco recebeu a resposta do Senhor para a participação nas dores de Jesus.
Na verdade essa festa, para toda a família franciscana e para a Igreja constitui uma evocação do tipo de intimidade que se deve cultivar com Jesus. Discute-se sobre a autenticidade da impressão de chagas em pessoas afirmando-se que são causas puramente psiclógicas. Decerto, isso constitui o maior testemunho de busca do Senhor, pois afinal, o que não se produz no humano que seja na maioria das vezes fatores psicológicos? E Francisco de modo inteiro se colocou na busca do encontro com o Mestre.
MDT

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Desafio: ARRISCAR

Na história humana cada pessoa, na configuração existencial na qual se encontra, tem o dever de viver construindo sentindo e descobrindo sentido.
Se assim não o fosse dificilmente conseguiríamos construir a história e nos encontrar todos aqui onde estamos.

É fato real que se não vivemos a vida cobrando sentindo para tudo, um dia, a qualquer momento, sem esperar, a própria vida cobrará de nós... Essa afirmação não é gratuita assim. A depressão, não acontece devido a este fator? Uma hipótese que pode ser até mesmo perigosa e simplória demais.

Ainda, a estabilização (estagnação existencial) e a segurança exagerada são fatores que se despontam arriscados. Como isso? Sim, quem não arrisca na vida, ainda que por períodos de intervalos longos, não conhece o sabor da vitória e nem amargo da derrota, este tão fundamental para o amadurecimento. Se isso não houver, um dia a vida vai cobrar...

Os fracassos possíveis da iniciativa de quem tenta são reais. Mas, não podem amendrontar! Têm que se nos afigurar como momentos de encontro com o desafio essencial, o de viver. Quem pouco erra é sinal de que pouco está se arriscando.

É fato real que existe quem tenha determinados tipos de personalidade que não possibilitam isso, mas o mínimo de tempero deve existir em qualquer refeição, caso contrário fica difícil descer e até digerir o alimento.
MDT

sábado, 12 de setembro de 2009

Aprender do sofrimento

Por Leonardo Boff

O sofrimento é a grande escola do aprendizado humano. Contém verdade, a frase atribuída a Hegel:”o ser humano aprende da história que não aprende nada da história, mas aprende tudo do sofrimento”. Prefiro a formulação de Santo Agostinho em suas Confissões:” o ser humano aprende do sofrimento mas muito mais do amor”.
O amor fati (o amor à realidade crua e nua) dos antigos e retomado por Freud se impõe nos dias atuais em que a humanidade se vê assolada por grave crise de sentido, subjacente à crise econômico-financeira. Devemos reaprender a amar de forma desinteressada e incondicional a Terra, todos os seres, especialmente os humanos, os que sofrem, respeitá-los em sua diferença e em suas limitações. O amor é uma força cósmica que “move o céu e as estrelas” no dizer de Dante. Só quem ama, transforma e cria.
Os grandes se reúnem, estão confusos e não sabem exatamente o que fazer. É que amam mais o dinheiro que a vida. Se amor houvesse, aprovariam o que está sendo proposto: uma “Declaração Universal do Bem Comum da Humanidade”, base para uma “Nova Ordem Global e Multilateral” contemplando toda a humanidade, a Terra incluída. Mas não. Perplexos, preferem repetir fundamentalmente, as fórmulas que não deram certo. Caberia, entretanto, perguntar: que capacidade possuem 20 governos de decidir em nome de 172? Onde estão os títulos de sua legitimidade? Apenas porque são os mais fortes?
Mesmo assim vejo que se podem tirar algumas lições, úteis para as próximas crises que estão se anunciando.
A primeira dela é que os governantes, para além de suas diferenças, podem se unir face a um perigo global. Mesmo que suas soluções não representem uma saída sustentável da crise, o fato de estarem juntos é significativo, pois dentro de pouco enfrentaremos uma crise muito pior: da insustentabilidade da Terra e dos efeitos perversos do aquecimento global. Este trará consigo a crise da água e da insegurança alimentar de milhões e milhões de pessoas. Tal situação forçará uma união dos povos e dos governos, maior do que essa dos G-20 em Londres, caso queiram sobreviver. Se grande será o perigo, maior será a chance de salvação, dizia um poeta alemão, mas desde que ocorra esta união. A solução virá somente de uma política mundial assentada na cooperação, na solidariedade, na responsabilidade global e no cuidado para com a Terra viva.
A segunda lição é que não podemos mais prolongar o fundamentalismo do mercado, o pensamento único que arrogantemente anunciava não haver alternativas à ordem vigente, como se a história tivesse sido engessada a seu favor e destruído o princípio esperança. Nem podemos mais confiar na mera razão funcional, desvinculada da razão sensível e cordial, base do mundo das excelências e dos valores infinitos (Milton Santos, nosso grande geógrafo) como o amor, a cooperação, o respeito, a justiça e outros. Desta vez, ou elaboramos uma alternativa, vale dizer, um novo paradigma civilizatório, com outro modo de produção, respeitador dos ritmos da natureza e um novo padrão de consumo solidário e frugal ou então teremos que aceitar o risco do desaparecimento de nossa espécie e de uma grave lesão da biosfera. A Terra pode continuar sem nós. Nós não podemos viver sem a Terra.
A terceira lição é constatar que a economia, feita eixo estruturador de toda a vida social, se torna hostil à vida e ao desenvolvimento integral dos povos. Ela deve ser reconduzida à sua verdadeira natureza, a de garantir a base material para a vida e para a sociedade.
Vivemos tempos de grandes decisões que representam rupturas instauradores do novo. Bem notava Keynes:”a dificuldade não estriba tanto na formulação de novas idéias mas no sacudir as velhas”. As velhas se desmoralizaram. Só nos resta confiar nas novas. Nelas está um futuro melhor.
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Leonardo Boff é autor de “Ecologia, Mundialização e Espiritualidade” pela Record, Rio de Janeiro.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Um grito contra a crise e a exclusão

Embalados pelo entusiasmo da Campanha da Fraternidade de 1995 que voltava seu tema para a questão do excluídos, os envolvidos na campanha, realizaram, sem imaginar que criariam tradição, o 1° do que viria a ser uma série de Grito dos Excluídos. Atualmente, o Grito tomou dimensões maiores e, agora, acontece em vários Continentes no dia 12 de outubro.
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"O Grito responde a uma necessidade da sociedade brasileira de que não basta apenas celebrar a Independência, porque o país ainda carece de políticas para uma parte que passa fome, que não tem acesso à saúde e a uma educação que responde à realidade", assegura Juvenal Rocha

A ordem é reivindicar, e não comemorar. Com esse mote, organizações populares, movimentos sociais e entidades ligadas à Igreja promovem a 15ª edição do Grito dos Excluídos, como contraponto às festividades oficiais da Semana da Pátria.

Sob o lema "Vida em primeiro lugar, a força da transformação está na organização popular", o Grito se somará às mobilizações que têm denunciado o atual modelo econômico, responsável pela crise financeira, como explica Ari Alberti, integrante da Secretaria Nacional do Grito dos Excluídos: "O Grito questiona esse modelo econômico que está aí, que se sobrepõe à vida, e diz que, se quisermos mudanças, teremos que construir".
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Fonte:
http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=1&noticiaId=1205

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Bíblia – Sagrada Escritura – Palavra de Deus

O conjunto de livros canonizados que temos na religião cristã e que chamamos de Bíblia (raiz de palavras como biblioteca, bibliografia...), é nosso ponto de partida para conhecer a fé. E o modo como nos relacionamos com este conjunto de livros nos levou denominá-la de Sagrada Escritura. Estes livros para nós são sagrados, isto é, separados, canonicamente considerados inspirados e escritos pelo próprio Deus que se utilizou de mediadores humanos para tal feito.

Entretanto, este conjunto de livros não possuem sentido porque são conjunto de livros (Bíblia) ou ainda porque são sagrados simplesmente. O sentido mais profundo e sua finalidade última está contida na sua concepção de Palavra de Deus. Outro não é e não pode ser nosso relacionamento com este conjunto de livros sagrados.

Não é difícil encontrarmos motivações precipitadas de relacionamento com a Palavra de Deus simplesmente como um livro de receitas, e estas receitas morais de como se deve agradar a Deus, ou como as pessoas devem se comportar, ou qualquer outra aberração do gênero. Diferente de outras religiões (isso não é crítica comparativa), a religião cristã não é religião do Livro, ou seja, com princípios religiosos advindos das letras de um livro, mas nós nos constituímos a religião da experiência de Deus.

Isso significa que nosso sentido de vida não está no simples decorar de versículos e capítulos dos livros sagrados, mas nosso anseio está em saber quem é Deus, onde ele está. Este relacionamento Jesus nos ensinou a cultivar, corrigindo a concepção de Deus daquele seu tempo: esse nome que não podemos (os judeus) sequer pronunciar é o Abbá. Ou seja, afirmar essa expressão quer dizer um profundíssimo estado de relacionamento íntimo. Essa expressão, Abbá, só podia se dizer no interior das casas, no seio do meio familiar.

Para nós, a hermenêutica da expressão paulina “a letra mata o espírito vivifica” (2 Cor 3, 6) vai justamente nesta direção, não somente da espiritualidade da passagem, mas da penetração vivencial que cultivamos com a Palavra de Deus. Estes escritos existem porque outras pessoas de outros tempos em outros contextos também cultivaram um tipo de relacionamento com Deus que os induziu a tal feito escriturário. Estas letras permanecerão pelos tempos afins enquanto existir um ser humano vivo na face da Terra, porque estas palavras atingiram-nos na nossa essência profunda, quero dizer, atingiram-nos porque são escritos que falam para seres humanos que é o mesmo desde o primeiro até o último ser existente, independente de sua cultura ou nacionalidade. Melhor dizendo, qualquer humano se angustia, se alegra, sofre, ri, chora, tem anseios e desejos e sonhos, tem medo e se arrisca, deseja conhecer o mais profundo da realidade... É nesse “entreveio” que a Palavra de Deus se insere.
MDT

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Deus, Onde estás?

No início do mês da Bíblia um texto inspirador do magnífico biblista Carlos Mesters.
Deus, Onde estás?
A pergunta não é de hoje. Antes de nós, muitos a fizeram. É o tipo de pergunta cuja resposta influi demais no rumo que se toma na vida. Por isso, não é de todo inútil ter alguém que nos possa orientar na procura da resposta. Entre as muitas respostas já dadas, existe uma que a história registra e que, até hoje, não deixa de impressionar. É a Bíblia, traduzida em mais de mil línguas, “best-seller” mundial, com mais de um bilhão de exemplares vendidos.
A Bíblia é como o álbum familiar que conserva tudo quanto é tipo de fotografias, fotografias importantes do dia do casamento, do batismo dos filhos, da nova casa, e fotografias aparentemente sem importância de um pique-nique descontraído, num fim de semana qualquer e que nem data tem mais. Os critérios, para dizer que uma fotografia é importante e outra não, são relativos. A fotografia, tirada com máquina barata, do nenê todo sujo e sorridente, pode ser mais importante do que a fotografia oficial e muito cara, feita no gabinete do fotógrafo. Ambas, porém, são sem importância e sem valor para a carteira de trabalho. Não servem para isso. Mas para álbum, tudo é importante, tudo serve. Ele conserva tudo. Numa desordem organizada, seguindo o ritmo da vida familiar, oferece um retrato fiel da família. É um gozo para os filhos e os netos folhearem aquelas páginas: aprendem quem são e de onde vieram. Com efeito, para esse fim, todas as fotografias são importantes, até as que, aparentemente, não o sejam.
Assim, é a Bíblia. Tem de tudo: fotografias oficiais e formais, e fotografias descontraídas de episódios insignificantes que nem data têm mais. Algumas delas foram feitas para fins de documentação, a outras só resta a finalidade de arrancar um sorriso de quem as olha. É o fiel retrato de um povo, conservado numa desordem organizada, naquelas páginas antigas, que os filhos e os netos vão folheando, para são e criar , assim, uma consciência de sua pertença a esse povo.

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MESTERS, Carlos. Deus, onde estás? Curso de Bíblia. Belo Horizonte: Editora Veja. p. 1-2. 1972