terça-feira, 30 de junho de 2009

O grande fracasso do ídolo

Reedito o texto produzido por Arthur Dapieve e levado a público pelo site Instituto Humanitas Unisinos no dia 27/06/2009.
Preocupo-me em afirmar que não podemos olhar este artigo de um ponto de vista moralista, mas acima de tudo de uma ótica existencial, ou seja, nos questionando sobre coisas que fazem parte da vida de todos nós humanos destes tempos.

O grande fracasso do ídolo

"Michael Jackson fracassou naquilo que todos nós fracassaremos, cedo ou tarde. Fracassou justo naquilo que a sociedade ocidental contemporânea tanto se empenha. Fracassou foi em parar o relógio", escreve Arthur Dapieve, em artigo publicado no jornal O Globo, 27-06-2009. Segundo ele, "a cultura pop da qual Jacko foi nobre é chegadíssima a se autoconsumir na juventude, conforme cria e descarta caras novas. Nada mais típico do que os Menudos, cujos membros não envelheciam nunca, eram para sempre miúdos".

Eis o artigo.

Michael Jackson fracassou. Não como artista, claro.

Ele conseguiu alcançar algo que outros grandes da música negra, como Sam Cooke, Otis Redding, Marvin Gaye, James Brown e Aretha Franklin — todos, diga-se de passagem, melhores cantores, o que apenas valoriza o feito de Jacko — só vislumbraram vez ou outra na vida: ser tão ou mais querido e apreciado nos bairros brancos do que nos guetos de origem. Ele não fracassou como negociante, é óbvio. Com seus discos e shows, Jacko fez, e ainda fará, ninguém duvida, muitos milhões de dólares, embora os altíssimos gastos — com o sítio Neverland, os tratamentos de saúde e os acordos para evitar que novas acusações de pedofilia chegassem aos tribunais — recentemente o tenham levado até a leiloar itens de seu guarda-roupa.

Michael Jackson fracassou naquilo que todos nós fracassaremos, cedo ou tarde.

Fracassou justo naquilo que a sociedade ocidental contemporânea tanto se empenha.
Fracassou foi em parar o relógio. É também por causa do terror que sentimos da morte que supervalorizamos as belezas da mocidade, esticando-a com plásticas, implantes, próteses, injeções, musculação, dietas, vitaminas, namoradas ou namorados jovens.
Jacko só tinha (bem) mais dinheiro. Pôde dormir na câmara hiperbárica, pôde ser reconstruído na mesa de cirurgia.

Jacko só tinha (muito) mais visibilidade. Sua pele era ridicularizada por ter embranquecido e não por ter rejuvenescido, o que, afinal, é nosso objetivo. Seu narizinho destacável não se parecia com o do Peter Pan das histórias da Disney à toa. Seu videoclipe memorável não era estrelado por mortos-vivos à toa. Agora, porém, o thriller acabou.

Consumada ou não consumada carnalmente, a sua pedofilia sofria daquele mesmo senso de desproporção. Não se trata de absolvê-la. A pedofilia é abjeta por fantasiar uma igualdade entre desiguais — não dois adultos, seja lá de que sexo forem, mas um adulto e uma criança — e não pode ser relativizada pela habitual pieguice que tudo perdoa num defunto fresco.

Trata-se, isso sim, de admitir que em menor grau toda nossa sociedade manifesta tendência à pedofilia com suas crianças hipererotizadas, adolescentes cheias de caras e bocas, modelos retas e mulheres maduras raspadas, como se nem tivessem entrado na puberdade. Em particular, a cultura pop da qual Jacko foi nobre é chegadíssima a se autoconsumir na juventude, conforme cria e descarta caras novas. Nada mais típico do que os Menudos, cujos membros não envelheciam nunca, eram para sempre miúdos.

Michael Jackson fracassou por isso. Ele não tinha como trocar de pele eternamente com outros Jackos crianças, não tinha como virar uma franquia de si próprio e ainda assim permanecer ele mesmo, pessoal e intransferível com o passado de abusos paternos e de inegáveis méritos artísticos.

Como intérprete, aliás, ele foi literal e metaforicamente da jovem guarda da Motown, a célebre gravadora de música negra de Detroit, que flertava às claras com o público branco, majoritário nos EUA (em contraposição à Stax, de Memphis, na qual o soul era “de raiz” e quem quisesse que gostasse). Jacko aprendeu com toda a black music. Pegou o figurino esdrúxulo de Little Richard aqui, o jeito de dançar de James Brown ali, adicionou seu próprio carisma...
No entanto, Michael Jackson fracassou porque não aprendeu a tempo que a única maneira de ser jovem para sempre é morrer cedo.

Fonte: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=23455

segunda-feira, 29 de junho de 2009

A emergência do novo


A Vida Religiosa está realmente na emergência do novo, ou da renovação? Estes tempos em que estamos desafia a cada consagrado dar novas respostas, ou melhor dizendo, não dar respostas, mas questionar o estado vigente da Igreja e da sociedade como um todo, procurando em si mesma oportunidades de transformação. Isto, na verdade, seria o que costumamos chamar de recuperação do sentido mais profundo da Vida Consagrada como lugar de profetismo por excelência. A VR como casa e ambiente seguro da ação profética anunciadora e denunciadora das injustiças, das causas do sofrimento de muitos em vista do bem estar de poucos anunciando, assim, a eterna novidade para a humanidade, Jesus, o Cristo e sua Boa Nova de transformação e de mudança.

Acabamos de presenciar a morte de um dos maiores astros pop que este planeta já viu. Bateu todos os recordes de vendas e sucesso e com certeza era merecido. Mas se dizia sensível a condição humana e ao sofrimento das crianças, porém esbanjava seu dinheiro com futilidades. Não escrevo isto com intenção de julgá-lo, mas de analisar procurando trazer isto para o âmbito da nossa VR. Quanto não precisamos nós também deixarmos nossas estabilidades, comodidades, discursos (falatórios multiplicados), seguranças, vaidades, futilidades... para conseguir nos imbuir da verdadeira dimensão da vida do Evangelho de Jesus Cristo?

Mas, o que é na verdade essa vida do Evangelho citado? Repetição de atos? Leituras continuadas? Disputa por memorização de versículos e capítulos? Na verdade essa vida do Evangelho não será uma inserção da minha vida total no espírito da ação criadora das palavras históricas dos textos que temos em mãos? Ressurreição é para nós transformação corajosa na vida total da vida da humanidade hoje, hoje!

Algumas formas de vivência comunitária regular criadas a poucos anos, mesmo no Brasil, são para nós da VR estruturadas a séculos, questionamento de como estamos organizados e apenas com a função de mantenedora do status quo vigente, sem ousadia e vontade de transformação. Veja, não estou acusando, mas apenas procurando refletir numa situação, sem nenhum recentimento ou protesto.
FRFC