sexta-feira, 31 de julho de 2009

Itinerância franciscana II

No dia 6 de Julho de 2009 postei uma reflexão com o tema Itinerância franciscana. Segue hoje uma segunda reflexão com o mesmo tema.

A itinerância na escola franciscana é o exercício do mandato dos pregadores dignos de credibilidade. Os evangelizadores da Ordem dos frades menores sempre estão ligados e envolvidos a uma fraternidade conventual específica. Na fraternidade franciscana deve-se levar em consideração a disposição básica de ser mansos, pacíficos e modestos, falando com todos sem parcialidade, como irmão de todos, porque a Ordem formada espontaneamente ao redor da pessoa e da vida de São Francisco (K. Esser) conhece esse modo de viver.

A fraternidade franciscana se estrutura a partir de um lume básico que é a itinerância. Podemos dizer que nossa fraternidade é itinerante. Isso quer dizer que itinerância é o modo novo de ficar. Ou seja, na fraternidade franciscana todos estão imbuídos do espírito evangelizador da Igreja e de modo especial engajados no projeto do nosso fundador. Todos, buscando crescer na vocação, no chamado, fazem antes um caminho interior, que se materializa numa inquietação ante as situações da humanidade, pelos que sofrem e gritam, anunciando a esperança do mundo novo, renovado no nome de Jesus Cristo, acusando quem pratica a injustiça convocando-os a conversão, promovendo a dignidade dos pequenos e excluídos e daqueles que perderam o sentido da vida.

Ainda neste âmbito da fraternidade franciscana itinerante devemos nos remeter à questão da vida contemplativa-ativa da vida franciscana. Somente sabe ficar quem sabe silenciar e consegue ir quem sabe ficar. Mas para tal, é necessário ater-se a exigência da itinerância para saber vencer-se a si mesmo. A última itinerância de nossas vidas, a morte, Francisco de Assis cantou no famoso Cântico das Criaturas: “Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal, da qual homem algum pode escapar.” Lançando o olhar para as primeiras fraternidades franciscanas, podemos dizer que, salvaguardando as devidas “epocalidades”, não existe vida franciscana sem a disposição interior da itinerância evangelizadora, mesmo que se fique durante muito tempo num lugar devido às necessidades: “Os irmãos andavam pelo mundo como pregadores ambulantes, exortando em toda a parte para a penitência e anunciando o Reino de Deus.”*

Francisco faz da fraternidade uma escola para itinerância. Vencer-se é na fraternidade o exercício para isso e é na fraternidade que se exercita. Somos família de fé, no qual a consangüinidade está no Evangelho. Na minoridade está o espírito da itinerância, pois nos sabemos "nem tão imprescindíveis assim" para o trabalho da evangelização, pois é Deus mesmo quem atua.
MDT
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*ESSER, Kajetan. Origens e Espírito Primitivo da Ordem Franciscana. Petrópoles: Cefepal/Vozes. p. 66. 1972.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Gadamer: a questão da compreensão humana

Reflexão feita a partir da monografia Gadamer: a questão da compreensão humana, apresentada no curso de filosofia, em 2007, na Faculdade São Bento da Bahia, por Frei Arnaldo Aragão Bastos OFM Conv.

A modo de reflexão

Ao longo dos séculos, percebemos que o ser humano sempre procurou saber por que as coisas – tudo que constitui o mundo – são dessa forma e, não, de outra. Daí o resultado de muitas reflexões, discussões, debates e teses, pelas quais os grandes pensadores procuraram dar respostas às mais diversas interrogações. Porém, a nosso ver, um dos questionamentos que mais causou insônia ao homem, sem dúvida, diz respeito à compreensão de si mesmo e de tudo que está a sua volta.
Para Heidegger (1989), neste processo que o ser humano faz continuamente em busca da compreensão, a pré-sença projeta seu ser para possibilidades. Neste caso, esse ser para possibilidades, constitutivo da compreensão, nada mais é, senão, um poder-ser que repercute, na pré-sença, as possibilidades enquanto aberturas. Gadamer (1997) ressalta, que o verdadeiro hermeneuta é aquele que possibilita a si mesmo uma abertura para compreender o não-dito, compreensão esta que constitui também a principal tarefa da hermenêutica.
Nestes dois filósofos, podemos encontrar, ou melhor, podemos pensar uma compreensão munida de possibilidades próprias de se elaborar em formas, dentro do projetar humano, seguramente. Esta capacidade de elaboração é o que eles denominam interpretação. Sendo assim, afirmamos que, na elaboração, a compreensão se apropria do que compreende. Interpretar aqui não é tomar conhecimento do que se compreende, mas, sim, elaborar as possibilidades projetadas na compreensão. Esse movimento existente na interpretação se evidencia a partir da presença cotidiana no mundo.
O ser humano não está isolado em si mesmo. Ele está dentro dum todo que o envolve e a única maneira para compreender o que é esse todo é saber, ou compreender, que o próprio ser humano também faz parte deste todo numa relação constante de diálogo. Para Gadamer somente quem tem a capacidade de dialogar com o seu mundo circundante, numa abertura total para o ainda não-dito, poderá ao final saber o que as coisas são e saber o que, de fato, o ser humano é.
Portanto, o ser humano em sua facticidade, procura compreender o que está a sua volta. Tudo que lhe aparece não surge de outra forma, senão, como um ser-para; o ser-para, podemos entender como um instrumento, o que estar ao alcance do mecânico ou do poeta, do filósofo ou do cientista etc. O instrumento pode ser o mesmo, se entender que este é igual para todos, sendo que o que diferencia é a forma e o sentido que cada um atribui ao objeto dado. A questão da compreensão é, sem dúvida, a resposta que o ser humano dá a si mesmo ao refletir: quem sou, de onde vim e para onde vou.
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segunda-feira, 27 de julho de 2009

Mensagem do Primeiro Encontro Latino-americano de Animação Bíblica da Pastoral - CEBIPAL

“La Palabra de vida, fuente de discipulado y misión
Durante los días 9 al 12 de julio nos hemos reunido en Bogotá, Obispos, Sacerdotes, religiosas, y laicos procedentes de diversos países de nuestro continente, para ver, reflexionar y proyectar la Animación Bíblica de la Pastoral de la Iglesia (ABP). Hemos querido compartir con el pueblo de Dios que peregrina en estas tierras, nuestras reflexiones y conclusiones. Nos inspiran los documentos del Magisterio de la Iglesia: la Dei Verbum del Vaticano II y el Documento de Aparecida, así como las experiencias de los anteriores encuentros regionales de Pastoral Bíblica. La reflexión sobre el caminar de la Pastoral Bíblica en nuestras Iglesias nos ha permitido comprobar las fortalezas y debilidades, las oportunidades y desafíos que nos animan e impulsan en nuestra labor pastoral. Observamos que en los últimos años, por una parte, la Pastoral Bíblica se entiende como el proceso de animación bíblica de la vida pastoral de la Iglesia y, por otra, que se ha dado un salto cualitativo en la compresión de esta animación, en el sentido de que la Palabra de Dios es la fuente o el alma de la vida de la Iglesia, como lo es la Eucaristía (DV21). La Biblia es, en consecuencia, una mediación entre el autor sagrado, por quien nos llega la Palabra de Dios, y el lector cristiano. Nuestro camino ha conducido al surgimiento de un nuevo paradigma de la Pastoral Bíblica. Entre las fortalezas que compartimos está el despertar del pueblo de Dios a la escucha, meditación, oración y puesta en práctica de la Palabra; la experiencia de Lectio Divina; los diversos materiales de ABP que cada Iglesia particular está generando; la Semana o Mes de la Biblia que prácticamente se celebra en todos los países con gran acogida; las comisiones nacionales de pastoral bíblica, por lo general en conjunto con la Catequesis; los idearios u orientaciones de Pastoral Bíblica en algunas Iglesias. Consideramos como una de las grandes oportunidades la participación del pueblo fiel en la celebración litúrgica de la Palabra y de la Eucaristía. Proponemos a los sacerdotes un mayor interés en preparar las homilías, más centradas en la Palabra de Dios, según la invitación que nos hace Aparecida cuando afirma que “se exige, por parte de obispos, presbíteros, diáconos y ministros laicos de la Palabra, un acercamiento a la Sagrada Escritura que no sea sólo intelectual e instrumental, sino con un corazón “hambriento de oír la Palabra del Señor” (Am 8, 11)”. Con Benedicto XVI, los sacerdotes debemos preguntarnos: "¿Estamos realmente impregnados por la palabra de Dios? ¿Es ella en verdad el alimento del que vivimos, más que lo que pueda ser el pan y las cosas de este mundo? ¿La conocemos verdaderamente? ¿La amamos? ¿Nos ocupamos interiormente de esta palabra hasta el punto de que realmente deja una impronta en nuestra vida y forma nuestro pensamiento?" Todo nos hace comprender que la ABP está dando origen a la formación de discípulos misioneros que “anhelan nutrirse con el Pan de la Palabra: quieren acceder a la interpretación adecuada de los textos bíblicos, a emplearlos como mediación de diálogo con Jesucristo, y a que sean alma de la propia evangelización y del anuncio de Jesús a todos.” (DA 248). Es imperativo, por tanto, que los fieles tengan amplio acceso a la Palabra de Dios (DV 22) adquiriendo, ante todo, el libro de la Biblia y contando con subsidios que les permitan iniciarse en su lectura, para que alcancen la experiencia del encuentro personal con Jesucristo, Palabra encarnada del Padre, centro de toda la Escritura. (Jn 5,39). Vemos con claridad cómo en nuestras Diócesis crece el número de agentes de pastoral, desde los laicos y consagrados hasta los presbíteros, que reclaman una mejor formación bíblica, que los capacite para una acción misionera en conformidad con la conciencia de una nueva evangelización, cuya expresión más amplia y profunda se realice en la Misión Continental. “Los obispos deben ser los primeros promotores de esta dinámica en sus diócesis. Para ser anunciador y anunciador creíble, el obispo debe nutrirse, él el primero, de la Palabra de Dios, de manera que pueda sostener y hacer cada vez más fecundo su propio ministerio episcopal. El Sínodo recomienda incrementar la "pastoral bíblica" no en yuxtaposición a otras formas de pastoral sino como animación bíblica de toda la pastoral.” (Sínodo de la Palabra, proposición 30). Regresamos a nuestras Iglesias particulares con ánimo firme y renovada esperanza en que el recorrer de la ABP en los próximos años, hará arder los corazones de los creyentes convirtiéndolos en discípulos misioneros que anuncian el Reino de Dios para la transformación de la realidad de nuestros pueblos. En nuestro caminar nos acompaña la Virgen María, primera discípula de Jesús, la oyente fiel cumplidora de la Palabra.
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Fonte: http://www.celam.org/cebipal/

domingo, 26 de julho de 2009

Oração do soldado Aleksander Zacepa

Em 1972, em uma revista clandestina se publicou uma oração encontrada no bolso da jaqueta do soldado Aleksander Zacepa, composta pouco antes da batalha na qual perdeu a vida na 2ª Guerra Mundial. Diz assim:

Escuta, ó Deus! Em minha vida não falei nem uma só vez contigo, mas hoje tenho vontade de fazer festa. Desde pequeno me disseram sempre que Tu não existes... E eu, como um idiota, acreditei.

Nunca contemplei tuas obras, mas esta noite vi desde a cratera de uma granada o céu cheio de estrelas e fiquei fascinado por seu resplendor. Nesse instante compreendi que terrível é o engano... Não sei, ó Deus, se me darás tua mão, mas te digo que Tu me entendes...
Não é algo estranho que em meio a um espantoso inferno a luz tenha me aparecido e eu tenha descoberto a ti?

Não tenho nada mais para dizer. Sinto-me feliz, pois te conheci. À meia-noite temos de atacar, mas não tenho medo, Tu nos vês. Deram o sinal! Tenho que ir. Que bem estava contigo! Quero te dizer, e Tu o sabes, que a batalha será dura: talvez esta noite vá bater à tua porta. E se até agora não fui teu amigo, quando eu chegar, Tu me deixarás entrar?

Mas, o que acontece comigo? Estou chorando? Meu Deus, olha o que me aconteceu. Só agora comecei a ver com clareza... Meu Deus, vou-me... será difícil regressar. Que estranho, agora a morte não me dá medo.
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[Tradução: Élison Santos. Revisão: Aline Banchieri]
Fonte: Agência Zenit

domingo, 19 de julho de 2009

Novas formas de organização do trabalho - o cooperativismo

Por Marisa Nunes Galvão e Ricardo Cifuentes

"Um breve olhar sobre a realidade que estamos vivenciando hoje revela, ao lado de um intenso processo de precarização social, um conjunto de formas diferentes de organização da produção e do exercício do trabalho, que pretendem diferenciar-se da tradicional forma de organização capitalista. Dentre estas novas formas destacam-se as cooperativas e as Organizações Econômico Populares (OEPs) que, de acordo com Tiriba são organizações que têm conseguido atingir novos modelos de convivência no interior das unidades produtivas, entre os trabalhadores e na comunidade local, constituindo, assim, redes de produtores e consumidores do campo e da cidade.
O cooperativismo, embora seja uma forma secular de organização do trabalho, está recolocando-se, hoje, como alternativa para responder ao processo de desemprego e precarização social. Evidencia-se este fato por meio do notório crescimento de experiências diversificadas, inseridas nos mais diferentes setores socioeconômicos, especialmente nas últimas décadas.
Não obstante o fato de representarem, em alguns casos, a única possibilidade concreta de manutenção de postos de trabalho, as organizações cooperativas estão aumentando numericamente, com distintas propostas de organização da produção e do trabalho, apoiando-se em diferentes matizes ideológicas. O novo cooperativismo colocado hoje reafirma, de acordo com Singer, os valores ligados ao ideário socialista, quais sejam, “democracia na produção e distribuição, desalienação do trabalhador, luta direta dos movimentos sociais pela geração de trabalho e renda, contra a pobreza e a exclusão social”.
Relativamente às suas relações internas, especificamente no que concerne à gestão das cooperativas, Albuquerque a considera multidimensional, na medida em que envolve uma dimensão humana traduzida na preocupação com os recursos humanos; uma dimensão racional traduzida na necessidade de eficiência econômica; outra dimensão relativa à legitimidade junto aos grupos da comunidade, ou seja, os associados e os consumidores, e a última dimensão relativa à continuidade/perenidade, traduzida na necessidade de desenvolvimento e manutenção do “saber tecnológico” capaz de satisfazer clientes e assegurar o crescimento da organização."
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Os destaques do texto são meus.

sábado, 18 de julho de 2009

Parágrafo 36 da Carta Encíclica Caritas in Veritate do Sumo Pontífice Bento XVI

Esta passagem da Encíclica de Bento XVI se reveste de suma importância na carta por causa de sua centralidade no conjunto da argumentação do texto. Este fragmento procura refletir o papel do mercado no âmbito geral da sociedade. A reflexão nos faz adentrar numa discussão que pertence a todas as pessoas, aquelas de boa vontade que trabalham pela igualdade social.

§36. A atividade econômica não pode resolver todos os problemas sociais através da simples extensão da lógica mercantil. Esta há-de ter como finalidade a prossecução do bem comum, do qual se deve ocupar também e sobretudo a comunidade política. Por isso, tenha-se presente que é causa de graves desequilíbrios separar o agir econômico — ao qual competiria apenas produzir riqueza — do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição.

Desde sempre a Igreja defende que não se há-de considerar o agir económico como anti-social. De per si o mercado não é, nem se deve tornar, o lugar da prepotência do forte sobre o débil. A sociedade não tem que se proteger do mercado, como se o desenvolvimento deste implicasse ipso facto a morte das relações autenticamente humanas. É verdade que o mercado pode ser orientado de modo negativo, não porque isso esteja na sua natureza, mas porque uma certa ideologia pode dirigi-lo em tal sentido. Não se deve esquecer que o mercado, em estado puro, não existe; mas toma forma a partir das configurações culturais que o especificam e orientam. Com efeito, a economia e as finanças, enquanto instrumentos, podem ser mal utilizadas se quem as gere tiver apenas referimentos egoístas. Deste modo é possível conseguir transformar instrumentos de per si bons em instrumentos danosos; mas é a razão obscurecida do homem que produz estas consequências, não o instrumento por si mesmo. Por isso, não é o instrumento que deve ser chamado em causa, mas o homem, a sua consciência moral e a sua responsabilidade pessoal e social.

A doutrina social da Igreja considera possível viver relações autenticamente humanas de amizade e camaradagem, de solidariedade e reciprocidade, mesmo no âmbito da actividade económica e não apenas fora dela ou « depois » dela. A área económica não é nem eticamente neutra nem de natureza desumana e anti-social. Pertence à actividade do homem; e, precisamente porque humana, deve ser eticamente estruturada e institucionalizada.

O grande desafio que temos diante de nós — resultante das problemáticas do desenvolvimento neste tempo de globalização, mas revestindo-se de maior exigência com a crise económico-financeira — é mostrar, a nível tanto de pensamento como de comportamentos, que não só não podem ser transcurados ou atenuados os princípios tradicionais da ética social, como a transparência, a honestidade e a responsabilidade, mas também que, nas relações comerciais, o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão da fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da atividade econômica normal. Isto é uma exigência do homem no tempo actual, mas também da própria razão econômica. Trata-se de uma exigência simultaneamente da caridade e da verdade.
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Imagem extraída do endereço

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Giotto, mestre da representação da fé encarnada*













Giotto, o grande pintor do século XVI, mestre da representação da fé encarnada, é o protagonista de uma exposição sem precedentes acolhida pelo Complexo Vaticano, localizado atrás da Praça Venecia de Roma, que encerrará em 26 de julho.

Inovação que marcou uma época
A representação tridimencional do espaço, a recuperação do naturalismo da imagem da figura humana, a introdução de uma dimensão afetiva..., são alguns dos aspectos que ressaltam nas obras de Giotto e que foram decisivas para a chegada do Renascimento, como demonstraram discípulos como Simeone Martini, Pietro Lorenzetti e escultores como Arnolfo di Cambio, Tino di Camaino, Andrea Pucci Stadi.

“A característica fundamental da arte figurativa de Giotto deve à recuperação de cânones naturalistas e clássicos que de alguma maneira a arte medieval havia posto em discussão através de formulários linguísticos diversificados”, explica a ZENIT a historiadora da arte, Claudia d’ Alberto.

Ainda que se desconhece a data exata do nascimento do Giotto da Bondone, se crê que foi por volta de 1267 em Vespignano, Vicchio, perto de Florença. São poucos os dados que se tem de sua juventude. Estudou pintura com o mestre, Cimabue, cuja obra “Madonna con il bambino”, faz parte da mostra exposta no Vittoriano.
Logo viajou a Roma onde aprendeu novas técnicas pictóricas com mestres como Pietro Cavallini, Jacopo Torriti e Filippo Rusuti, que representaram na pintura a monumentalidade da arte clássica.
Sessenta anos depois da morte de São Francisco de Assis, o então superior geral dos franciscanos, Giovanni da Murlo, o chamou para que pintasse os afrescos de uma basílica construída em honra do santo.
Na monumental basílica gótica de São Francisco, principal ponto de referência do povoado natal do santo, Giotto pintou uma de suas obras mestras: as principais cenas da vida de São Francisco: sua conversão, o abandono de seus bens, um momento em êxtase, a canonização de São Francisco, entre outras.
Giotto se inspirou na biografia do santo de Assis escrita por São Boaventura. Suas cenas são tão vivas que parecem falar por si mesmas. Milhares de fiéis que durante anos passaram por este templo, puderam aproximar-se da vida deste santo e conhecer detalhes de sua vida contemplando os afrescos de Giotto.

Pinturas recriadas com diferentes cenas do ambiente próprio do século XIII, que representam pela primeira vez São Francisco como um homem, entre as pessoas, na natureza e em espaços arquitetônicos.

Estes afrescos mostram também o desenvolvimento da ordem franciscana, a morte, as exéquias assim como a canonização do santo. Ao ser complexa esta série, pode-se apreciar desta forma a evolução pictórica que adquire Giotto até chegar à maturidade, com o passar do tempo.
Giotto passou assim do estilo bizantino a um mais realista e inovador. Alcançou seu máximo esplendor em resposta aos encargos do Papa Bonifácio VIII.
A grande riqueza do artista se deve à recuperação do naturalismo, deixando de lado a tradição clássica medieval da arte sacra. Em suas obras começam a ver-se os pilares da arte renascentista como o volume e a profundidade.
Soube representar não só as pessoas, as coisas e as paisagens, mas também, pela primeira vez em muitos séculos, o estado psicológico dos personagens por meio das posturas e expressões dos rostos.
“Esta recuperação do naturalismo e do classicismo implica um estudo atento e cuidadoso dos princípios da ótica”, diz Claudia d’Alberto.
Arte para ateus e crentes
Com sua arte, Giotto abriu as portas à perspectiva que surgiu como disciplina matemática no renascimento, para conseguir um maior realismo na pintura.
“Falamos de uma pseudo-perspectiva que não tem ainda um cálculo exato, como acontecerá no século XV, mas em certo modo consegue repropor a definida ‘medida encontrada’”, assegura d’Alberto.
Uma arte que influenciou fortemente em sua época: “Giotto consegue reunir ao seu redor um grandioso número de colaboradores e consegue sobretudo elaborar grupos de trabalho segundo seu estilo que deixava nas mãos de seus discípulos mais talentosos. Assim promoveram a difusão de sua arte e de sua grande fama”, comenta a historiadora da arte.
Para Claudia d’Alberto a obra de Giotto continua causando admiração pela “busca do dado humano na história sacra”. A historiadora considera que esta é uma lição para crentes e ateus: “Sua maior força é a humanização do sacro”.
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*Confira texto completo no sítio http://www.zenit.org/article-22168?l=portuguese

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Justiça pela redistribuição

Este Texto tem a intenção de estar em continuidade com as duas outras postagens precedentes (dos dias 11 e 13/07/2009). A preocupação ambiental está em voga atualmente de modo emergente, na tentativa de construir um novo modo de conceber a vida humana, a natureza e os cosmos. É necessário recolocar a questão da cooperação como novo sistema governamental.

Os antigos, e hoje também algumas tribos índigenas e povos que habitam os longínquos interiores do mundo, afastados das metrópoles, tinham um relacionamento de intimidade profunda com o cosmos. Compreendiam-se como uma única presença, sem o medo um do outro, mas acima de tudo a cooperação era o impulso da busca de conservação. O ser humano estava imbricado no todo e se utilizava do meio ambiente. Isto, com o tempo, foi ganhando outras configurações até chegar na situação emque estamos hoje.

O trabalho que cuida da transformação da renovação da situação vigente deve ir de encontro a uma proposta de transformação imediata. Este novo modo de pensar desperta as pessoas da vida vida medíocre que nos afasta das pessoas e da realidade. Nossa vida, a de cada pessoa de forma concreta, está situada numa realidade vivencial, onde não podemos deixar de lado o engajamento de compromisso em cada fator preponderante. A intenção primordial deve atender ao chamado urgente do Evangelho da convocação à construção do Reino de Deus no mundo. Como sabemos, o Reino de Deus é um dom, mas está em acordo com a colaboração humana. E isso se dará de acordo com a vontade de cada pessoa em realizar o bem comum.

Concomitantemente, as pessoas da vida cristã são convocadas a realizar uma proposta ao modelo econômico vigente. Afirma Bento XVI em sua nova Encíclica Social, no número 36: "A atividade econômica não pode resolver todos os problemas sociais através da simples extensão da lógica mercantil. Esta há-de ter como finalidade a prossecução do bem comum, do qual se deve ocupar também e sobretudo a comunidade política. Por isso, tenha-se presente que é causa de graves desequilíbrios separar o agir económico — ao qual competiria apenas produzir riqueza — do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição."* A proposta que deveríamos fazer indo de encontro ao fator da realização da tranformação das estruturas e das pessoas atenderia, na verdade, a uma nova postura diante dos outros. A lógica mercantil atual baseada apenas no lucro, e isso a qualquer custo, se não for trocada por uma nova lógica da cooperação e da colaboração social, será apenas um curativo bem fraco que fazemos numa ferida que exige uma cirurgia imediata.

Com relação a crise econômica atual, quando podemos constatar a falência do mercado como regulador do sistema, apesar de os seu geridores já afirmarem da superação dessa mesma crise, ainda se constitui programa de trabalho imediato o repensamento do modelo econômico mundial, pois de outro modo ainda continuaremos com o mesmo sistema excludente e discriminador que pensa nos pobres apenas como potencial de compra. E a questão ambiental é realidade que não pode fugir de nossa discussões, pois de outro modo descambaremos para a nossa derrocada. A proteção ambiental vai de encontro com o modelo de progresso que concebemos, exigindo, desse modo, uma superação imediata do mesmo para assim construirmos uma nova geografia política e econômica planetária com novos valores, mais humanos. E ainda mais, essa discussão é também parte de uma eleboração de nossa captação do sentido de vida pessoal e, podemos dizer, social.

MDT

Pode continuar...
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*http://www.zenit.org/article-22072?l=portuguese

segunda-feira, 13 de julho de 2009

As Conexões Ocultas. Ciência para uma vida sustentável*


Informações sobre o livro de Fritjof Capra: “As Conexões Ocultas. Ciência para uma vida sustentável”, publicado pela Editora Cultrix Amana Key. São Paulo. 2002.



As últimas descobertas científicas mostram que todas as formas de vida – desde as células mais primitivas até as sociedades humanas, suas empresas e Estados nacionais, até mesmo sua economia global – organizam-se segundo o mesmo padrão e os mesmos princípios básicos: o padrão de redes, com unidades e sistemas interconectados. Em As Conexões Ocultas, Fritjof Capra desenvolve uma compreensão sistêmica e unificada que integra as dimensões biológicas, cognitivas e sociais da vida e demonstra claramente que a vida, em todos os seus níveis, é inextricavelmente interligada por redes complexas.

No decorrer deste novo século, dois fenômenos específicos terão um efeito decisivo sobre o futuro da humanidade. Ambos se desenvolvem em rede e ambos estão ligados a uma tecnologia radicalmente nova. O primeiro é a ascensão do capitalismo global, composto de redes eletrônicas de fluxos de finanças e de informação; o outro é a criação de comunidades sustentáveis baseadas na alfabetização ecológica e na prática do projeto ecológico, compostas de redes ecológicas de fluxos de energia e matéria.

A meta da economia global é a de elevar ao máximo a riqueza e o poder de suas elites; a do projeto ecológico, a de elevar ao máximo a sustentabilidade da teia da vida. Atualmente, esses dois movimentos encontram-se em rota de colisão: ao passo que cada um dos elementos de um sistema vivo contribui para a sustentabilidade do todo, o capitalismo global baseia-se no princípio de que ganhar dinheiro deve ter precedência sobre todos os outros valores. Com isso, criam-se grandes exércitos de excluídos e gera-se um ambiente econômico, social e cultural que não apóia a vida, mas a degrada, tanto no sentido social quanto no sentido ecológico.

O grande desafio que se apresenta ao século XXI é o de promover a mudança do sistema de valores que atualmente determina a economia global e chegar-se a um sistema compatível com as exigências da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica. Capra demonstra, de modo conclusivo, que os seres humanos estão, de forma inextricável, ligados à teia da vida em nosso planeta e mostra quão imperiosa é a necessidade de re-organizarmos o mundo segundo um conjunto de crenças e valores diferente (que não tenha o acúmulo de dinheiro por único sustentáculo) e isso não só para o bem-estar das organizações humanas, mas para a sobrevivência e sustentabilidade da humanidade como um todo.
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*Este texto foi extraído do sítio http://www.unicamp.br/fea/ortega/Valores/fritjofcapra.htm e está em continuidade com a linha de pensamento do post A Teia da Vida do dia 11/07/2009
Os destaques em negrito são meus.

sábado, 11 de julho de 2009

A Teia da Vida

O físico-filósofo Fritjof Capra compôs um livro denominado Teia da Vida. Sua preocupação se dirigia justamente a demonstrar, mesmo que a partir de uma "visão religiosa" oriental, que toda a realidade está imbricada, interconectada, interdependente...

"Seu nome está intimamente vinculado, de modo explícito, ao surgimento de uma nova maneira de se enteder a ciência e, desta forma, de se compreender a realidade que surge, espontaneamente, do questionamento atualmente presente em várias vertentes da ciência e da arte, envolvendo o modo como interpretamos a realidade e de como esta interpretação afeta nosso comportamento frente a nós mesmos e a natureza.
Ou seja, a obra de Capra reflete todo um clima intelectual e espritual que atualmente emerge em todo o mundo... Em pensar uma nova maneira mais sensível e significativa de entendimento, propício a uma mudança fundamental da compreensão humana quanto à natureza do conhecimento científico, quer na esfera das ciências físicas, quer na esfera das ciências biológicas e humanas, o que pode implicar, em linhas gerais, uma extraordinária - embora ainda não muito bem sentida e/ou pouco avaliada - transformação cultural. Autores como Alvin Toffler, Alain Touraine, Francisco Maturana, Michel Maffesoli, Frei Betto, Pierre Weil, Leonardo Boff, Stanislav Grof, Roberto Crema e, em especial,
Edgar Morin são outros representantes ainda vivos deste movimento que está surgindo independentemente em vários lugares ao mesmo tempo, dentro e fora das academias - em especial fora, pois as academias estão muito dependentes dos recursos provenientes dos meios capitalistas que dizem o que é ou não "interessante" em ser pesquisado e aceito -, seguindo, de maneira mais ou menos independente, suas próprias linhas de pesquisas e que chegam, não obstante suas diferenças de especialização e de ordem cultural e geográficas, a atingir a mesma conclusão epistemológica sobre o atual estado das ciências e do conhecimento humano. Mas em todo este contexto, esta grande tapeçaria de fios intrelaçados, o nome de Fritjof Capra se destaca como sendo o ponto de junção destes vários pensamentos e tendências afins."*

Uma episteme** que se configura a partir desse modo de conceber integradando vida humana à natureza é mais respeitosa aos direitos de cada vertente***. Aos direitos da natureza "ambiental" e à natureza humana, isto é, ao que é próprio de todos os humanos, e por isso uma chamada à prática da justiça.
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** Em linhas gerais isso quer dizer um modo de conceber a realidade. "O verdadeiro conhecimento, diferente da opinião. O conhecimento das causas que são necessariamente verdadeiras. Mistura de ciência e de saber, pelo que difere das chamadas ciências empíricas. Um um esforço racional para substituir a opinião, doxa, o conhecimento acerca do contingente. Divide-se em praxis, technè, e theoria." (http://www.iscsp.utl.pt/)

*** Esta expressão "vertente" não quer separar uma coisa da outra, mas apenas identificar cada realidade na sua propriedade.
MDT

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Pedagogia existencial do Crucificado - a experiência de São Francisco de Assis

O longo caminho da experiência de uma vida se faz no bojo da construção da história e da captação das mesmas experiências-históricas, no confronto e na partilha. Vejamos um homem, Francisco de Assis, no confronto-partilha com a cruz (melhor dizendo, o Crucificado). Encontrou uma nova dimensão para sua vida que se materializou não somente nos seus atos, mas na sua compreensão global de tudo o que existe pois, afinal, ele não se dirigia mais às coisas de modo neutro, mas as denominava irmãs. E mesmo àquele fenômeno que escapava da compreensão humana normal, a morte, era também encarada como irmã.

O horizonte histórico da pessoa se dá na concretude da vivência social dos relacionamentos. Nada no humano escapa do âmbito da capacidade, vontade e necessidade relacional. Por isso, quando afirmamos que quando da morte de nada pode ser levado desta vida, cometemos um erro, pois há uma única coisa que "levamos" conosco: é justamente tudo aquilo que construimos no campo do relacionamento, e todo o amor que distribuimos no mundo. Contudo, na verdade do fato nem mesmo levamos, mas deixamos. Parece-me que foi Madre Teresa de Calcutá que afirmou do momento da morte que a única coisa que seremos cobrados por Deus será o tanto que amamos. Então, isso nos leva à seguinte reflexão: o ser humano inscreve no coração dos outros a marca de sua existência. Mesmo depois que partimos dessa vida, continuamos a existir no coração das pessoas que conviveram conosco: todo ser humano faz história, e faz a história. Estamos na história e existimos concretamente a partir de quando sabemos e sabem de nós, e também sabemos dos outros e deixamos que eles saibam de nós. Pode parecer muito pragmática essa afirmação, mas está contida numa noção de existência onde se leva em consideração a suprema valorização da pessoa humana como ser, acima de tudo, de relação.

Quero inserir Francisco de Assis nesta dinâmica no que diz respeito a sua experiência com o Crucificado. É sabido que na sua época existia uma profunda e difundida espiritualidade da cruz. Nosso querido irmão não escapa a esse "costume". Mas, nele se configura uma outra mens relacional (que não é melhor e nem mais baixa) com o Crucificado e que penetra toda a sua existência a ponto de ampliar seu campo de atuação na vida de outras pessoas. Francisco olha o Crucificado a partir de um lugar situado: Jesus situado e Francisco também situado. Ele chora a partir eda Cruz; ele fala com o Crucificado (São Damião, mesmo que hoje saibamos constituir um recurso literário, continua a expressar algo profundo para nós); ele recomenda muitas vezes a volta ao Crucificado como "paradigma fenomenal"... Não é algo apenas que parte do sentimento interior e pessoal, mas se materializa, se configura, estrutura e constitui sua visão de mundo. Basta analisar suas orações, suas cartas, sua biografia (hagiografia). Para Francisco o Crucificado é o outro concreto de sua vida que o abre para uma experiência de mundo e das pessoas. Existe uma experiência-histórica real que alcança o âmago da realidade de Francisco e "produz" uma perspectiva e uma vivência diferenciada (para usar uma expressão do futebol tão comum hoje em dia para se falar de um bom jogador). Podemos constatar também uma imagem de Deus muito peculiar. É o Todo-Poderoso, mas está partilhando de si na vida do humano. Essa é a realidade da tríplice devoção de Francisco: Cruz, Eucaristia e Presépio. Em todos esses fatores ele divisa o Deus que participa de tudo o que é humano.

É impressionante como se torna plástico em São Francisco a realidade da encaranação. E isso que denominamos de tríplice devoção de Francisco vai nessa mesma direção do entendimento da pobreza de Deus e minoridade da vida vivida na compreensão da fé. A verdade principal é: Deus vem e nós vamos a ele, e nunca foi o contrário. Brilha, assim, para a humanidade uma nova perspectiva. E para isso comemoramos 800 anos de fundação da vida do carisma. Por que Francisco inscreveu no coração da humanidade sua dimensão própria de relacionamento concreto-existencial-histórico que não respeita tempo e espaço, mas que durará até o último humano que respirar na Terra.

Por isso que o franciscano é um apaixonado pela justiça social, pela igualdade, pelo amor aos mais pobres, excluídos, marginalizados, as minorias... , pois não aceita que ninguém deixe de participar dos benefícios da humanidade que Deus oferece abundantemente e gratuitamente. No nível do relacionamento deve imperar a vontade do bem-estar bio-físico-psico-social-espiritual da pessoa na sua integralidade, pois somos todos pertencentes ao grande conjunto da família humana.
MDT

terça-feira, 7 de julho de 2009

INTRODUÇÃO DA CARTA ENCÍCLICA CARITAS IN VERITATE DO SUMO PONTÍFICE BENTO XVI

Posto a seguir apenas a introdução da primeira Encíclica social de Bento XVI, a terceira de seu pontificado. A intenção dessa postagem é apenas ser um convite à leitura desse documento que comemora o aniversário de publicação de outra Enciclíca, a Populorum Progressio. A leitura desses documentos é importante para nos auxiliar em nossa vivência, não só cristã, mas também a vivência social, pois do contrário tudo se torna apenas, como costumeiramente brincamos, papelorum progressio.

1. A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e sobretudo com a sua morte e ressurreição, é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira. O amor — « caritas » — é uma força extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz. É uma força que tem a sua origem em Deus, Amor eterno e Verdade absoluta. Cada um encontra o bem próprio, aderindo ao projecto que Deus tem para ele a fim de o realizar plenamente: com efeito, é em tal projecto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre (cf. Jo 8, 22). Por isso, defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhá-la na vida são formas exigentes e imprescindíveis de caridade. Esta, de facto, « rejubila com a verdade » (1 Cor 13, 6). Todos os homens sentem o impulso interior para amar de maneira autêntica: amor e verdade nunca desaparecem de todo neles, porque são a vocação colocada por Deus no coração e na mente de cada homem. Jesus Cristo purifica e liberta das nossas carências humanas a busca do amor e da verdade e desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projecto de vida verdadeira que Deus preparou para nós. Em Cristo, a caridade na verdade torna-se o Rosto da sua Pessoa, uma vocação a nós dirigida para amarmos os nossos irmãos na verdade do seu projecto. De facto, Ele mesmo é a Verdade (cf. Jo 14, 6).
2. A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas responsabilidades e compromissos por ela delineados derivam da caridade, que é — como ensinou Jesus — a síntese de toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40). A caridade dá verdadeira substância à relação pessoal com Deus e com o próximo; é o princípio não só das micro-relações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macro-relações como relacionamentos sociais, económicos, políticos. Para a Igreja — instruída pelo Evangelho —, a caridade é tudo porque, como ensina S. João (cf. 1 Jo 4, 8.16) e como recordei na minha primeira carta encíclica, « Deus é caridade » (Deus caritas est): da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos homens; é sua promessa e nossa esperança.
Estou ciente dos desvios e esvaziamento de sentido que a caridade não cessa de enfrentar com o risco, daí resultante, de ser mal entendida, de excluí-la da vida ética e, em todo o caso, de impedir a sua correcta valorização. Nos âmbitos social, jurídico, cultural, político e económico, ou seja, nos contextos mais expostos a tal perigo, não é difícil ouvir declarar a sua irrelevância para interpretar e orientar as responsabilidades morais. Daqui a necessidade de conjugar a caridade com a verdade, não só na direcção assinalada por S. Paulo da « veritas in caritate » (Ef 4, 15), mas também na direcção inversa e complementar da « caritas in veritate ». A verdade há-de ser procurada, encontrada e expressa na « economia » da caridade, mas esta por sua vez há-de ser compreendida, avaliada e praticada sob a luz da verdade. Deste modo teremos não apenas prestado um serviço à caridade, iluminada pela verdade, mas também contribuído para acreditar a verdade, mostrando o seu poder de autenticação e persuasão na vida social concreta. Facto este que se deve ter bem em conta hoje, num contexto social e cultural que relativiza a verdade, aparecendo muitas vezes negligente senão mesmo refractário à mesma.
3. Pela sua estreita ligação com a verdade, a caridade pode ser reconhecida como expressão autêntica de humanidade e como elemento de importância fundamental nas relações humanas, nomeadamente de natureza pública. Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é luz que dá sentido e valor à caridade. Esta luz é simultaneamente a luz da razão e a da fé, através das quais a inteligência chega à verdade natural e sobrenatural da caridade: identifica o seu significado de doação, acolhimento e comunhão. Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a significar o oposto do que é realmente. A verdade liberta a caridade dos estrangulamentos do emotivismo, que a despoja de conteúdos relacionais e sociais, e do fideísmo, que a priva de amplitude humana e universal. Na verdade, a caridade reflecte a dimensão simultaneamente pessoal e pública da fé no Deus bíblico, que é conjuntamente «Agápe » e « Lógos »: Caridade e Verdade, Amor e Palavra.
4. Porque repleta de verdade, a caridade pode ser compreendida pelo homem na sua riqueza de valores, partilhada e comunicada. Com efeito, a verdade é « lógos » que cria « diá-logos » e, consequentemente, comunicação e comunhão. A verdade, fazendo sair os homens das opiniões e sensações subjectivas, permite-lhes ultrapassar determinações culturais e históricas para se encontrarem na avaliação do valor e substância das coisas. A verdade abre e une as inteligências no lógos do amor: tal é o anúncio e o testemunho cristão da caridade. No actual contexto social e cultural, em que aparece generalizada a tendência de relativizar a verdade, viver a caridade na verdade leva a compreender que a adesão aos valores do cristianismo é um elemento útil e mesmo indispensável para a construção duma boa sociedade e dum verdadeiro desenvolvimento humano integral. Um cristianismo de caridade sem verdade pode ser facilmente confundido com uma reserva de bons sentimentos, úteis para a convivência social mas marginais. Deste modo, deixaria de haver verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo. Sem a verdade, a caridade acaba confinada num âmbito restrito e carecido de relações; fica excluída dos projectos e processos de construção dum desenvolvimento humano de alcance universal, no diálogo entre o saber e a realização prática.
5. A caridade é amor recebido e dado; é « graça » (cháris). A sua nascente é o amor fontal do Pai pelo Filho no Espírito Santo. É amor que, pelo Filho, desce sobre nós. É amor criador, pelo qual existimos; amor redentor, pelo qual somos recriados. Amor revelado e vivido por Cristo (cf. Jo 13, 1), é « derramado em nossos corações pelo Espírito Santo » (Rm 5, 5). Destinatários do amor de Deus, os homens são constituídos sujeitos de caridade, chamados a fazerem-se eles mesmos instrumentos da graça, para difundir a caridade de Deus e tecer redes de caridade.
A esta dinâmica de caridade recebida e dada, propõe-se dar resposta a doutrina social da Igreja.Tal doutrina é « caritas in veritate in re sociali », ou seja, proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade; é serviço da caridade, mas na verdade. Esta preserva e exprime a força libertadora da caridade nas vicissitudes sempre novas da história. É ao mesmo tempo verdade da fé e da razão, na distinção e, conjuntamente, sinergia destes dois âmbitos cognitivos. O desenvolvimento, o bem-estar social, uma solução adequada dos graves problemas sócio-económicos que afligem a humanidade precisam desta verdade. Mais ainda, necessitam que tal verdade seja amada e testemunhada. Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social, e a actividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os actuais.
6. « Caritas in veritate » é um princípio à volta do qual gira a doutrina social da Igreja, princípio que ganha forma operativa em critérios orientadores da acção moral. Destes, desejo lembrar dois em particular, requeridos especialmente pelo compromisso em prol do desenvolvimento numa sociedade em vias de globalização: a justiça e o bem comum.
Em primeiro lugar, a justiça. Ubi societas, ibi ius: cada sociedade elabora um sistema próprio de justiça. A caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é « meu »; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é « dele », o que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir. Não posso « dar » ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça. Quem ama os outros com caridade é, antes de mais nada, justo para com eles. A justiça não só não é alheia à caridade, não só não é um caminho alternativo ou paralelo à caridade, mas é « inseparável da caridade », é-lhe intrínseca. A justiça é o primeiro caminho da caridade ou, como chegou a dizer Paulo VI, « a medida mínima » dela, parte integrante daquele amor « por acções e em verdade » (1 Jo 3, 18) a que nos exorta o apóstolo João. Por um lado, a caridade exige a justiça: o reconhecimento e o respeito dos legítimos direitos dos indivíduos e dos povos. Aquela empenha-se na construção da « cidade do homem » segundo o direito e a justiça. Por outro, a caridade supera a justiça e completa-a com a lógica do dom e do perdão. A « cidade do homem » não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre, mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a todo o empenho de justiça no mundo.
7. Depois, é preciso ter em grande consideração o bem comum. Amar alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente pelo mesmo. Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida social das pessoas: o bem comum. É o bem daquele « nós-todos », formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social. Não é um bem procurado por si mesmo, mas para as pessoas que fazem parte da comunidade social e que, só nela, podem realmente e com maior eficácia obter o próprio bem. Querer o bem comum e trabalhar por ele é exigência de justiça e de caridade. Comprometer-se pelo bem comum é, por um lado, cuidar e, por outro, valer-se daquele conjunto de instituições que estruturam jurídica, civil, política e culturalmente a vida social, que deste modo toma a forma de pólis, cidade. Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum que dê resposta também às suas necessidade reais. Todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência napólis. Este é o caminho institucional — podemos mesmo dizer político — da caridade, não menos qualificado e incisivo do que o é a caridade que vai directamente ao encontro do próximo, fora das mediações institucionais da pólis. Quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político. Aquele, como todo o empenho pela justiça, inscreve-se no testemunho da caridade divina que, agindo no tempo, prepara o eterno. A acção do homem sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a edificação daquela cidade universal de Deus que é a meta para onde caminha a história da família humana. Numa sociedade em vias de globalização, o bem comum e o empenho em seu favor não podem deixar de assumir as dimensões da família humana inteira, ou seja, da comunidade dos povos e das nações, para dar forma de unidade e paz à cidade do homem e torná-la em certa medida antecipação que prefigura a cidade de Deus sem barreiras.
8. Ao publicar a encíclica Populorum progressio em 1967, o meu venerado predecessor Paulo VI iluminou o grande tema do desenvolvimento dos povos com o esplendor da verdade e com a luz suave da caridade de Cristo. Afirmou que o anúncio de Cristo é o primeiro e principal factor de desenvolvimento e deixou-nos a recomendação de caminhar pela estrada do desenvolvimento com todo o nosso coração e com toda a nossa inteligência, ou seja, com o ardor da caridade e a sapiência da verdade. É a verdade originária do amor de Deus — graça a nós concedida — que abre ao dom a nossa vida e torna possível esperar num « desenvolvimento do homem todo e de todos os homens », numa passagem « de condições menos humanas a condições mais humanas », que se obtém vencendo as dificuldades que inevitavelmente se encontram ao longo do caminho.
Passados mais de quarenta anos da publicação da referida encíclica, pretendo prestar homenagem e honrar a memória do grande Pontífice Paulo VI, retomando os seus ensinamentos sobre o desenvolvimento humano integral e colocando-me na senda pelos mesmos traçada para os actualizar nos dias que correm. Este processo de actualização teve início com a encíclica Sollicitudo rei socialis do Servo de Deus João Paulo II, que desse modo quis comemorar a Populorum progressio no vigésimo aniversário da sua publicação. Até então, semelhante comemoração tinha-se reservado apenas para a Rerum novarum. Passados outros vinte anos, exprimo a minha convicção de que a Populorum progressio merece ser considerada como « a Rerum novarum da época contemporânea », que ilumina o caminho da humanidade em vias de unificação.
9. O amor na verdade — caritas in veritate — é um grande desafio para a Igreja num mundo em crescente e incisiva globalização. O risco do nosso tempo é que, à real interdependência dos homens e dos povos, não corresponda a interacção ética das consciências e das inteligências, da qual possa resultar um desenvolvimento verdadeiramente humano. Só através da caridade, iluminada pela luz da razão e da fé, é possível alcançar objectivos de desenvolvimento dotados de uma valência mais humana e humanizadora. A partilha dos bens e recursos, da qual deriva o autêntico desenvolvimento, não é assegurada pelo simples progresso técnico e por meras relações de conveniência, mas pelo potencial de amor que vence o mal com o bem (cf. Rm 12, 21) e abre à reciprocidade das consciências e das liberdades.
A Igreja não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende « de modo algum imiscuir-se na política dos Estados »; mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação. Sem verdade, cai-se numa visão empirista e céptica da vida, incapaz de se elevar acima da acção porque não está interessada em identificar os valores — às vezes nem sequer os significados — pelos quais julgá-la e orientá-la. A fidelidade ao homem exige a fidelidade à verdade, a única que é garantia de liberdade (cf. Jo 8, 32) e da possibilidade dum desenvolvimento humano integral. É por isso que a Igreja a procura, anuncia incansavelmente e reconhece em todo o lado onde a mesma se apresente. Para a Igreja, esta missão ao serviço da verdade é irrenunciável. A sua doutrina social é um momento singular deste anúncio: é serviço à verdade que liberta. Aberta à verdade, qualquer que seja o saber donde provenha, a doutrina social da Igreja acolhe-a, compõe numa unidade os fragmentos em que frequentemente a encontra, e serve-lhe de medianeira na vida sempre nova da sociedade dos homens e dos povos.
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Fonte: Agência Zenit: http://www.zenit.org/article-22072?l=portuguese

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A itinerância franciscana

A existência franciscana, na medida do crescimento-amadurecimento da vida, se torna lugar e semente da criação e da concretização da vida cristã. O querido irmão Francisco de Assis não soube desejar e ter outra vida depois do contato pessoal com o Deus que descia ao homem para com ele viver todas as situações mais corriqueiras na qual o ser humano está colocado. Era trabalho penoso para ele manter-se na fidelidade da busca, porém, trabalho necessário para saber-se totalmente configurado ao Cristo que tanto o tocava o coração.

Não posso dizer com segurança, mas vejo que a religião cristã é a única que apresenta uma noção tão humana de Deus e tão próximo de nossa vida. E me admira ainda mais como o jovem Francisco se abre tão generosamente a esta oferta de Deus que acontece a todos os homens. Será que Francisco era possuidor de inteligência tão elevada, que lhe possibilitou tamanha percepção de Deus? Respondo, sem querer ser presunçoso, que penso que não! Francisco com certeza era possuidor de inteligência perspicaz, mas nada tão fora do normal. Essa revelação de Deus não depende em nada de grau Q.I., mas de abertura sem reservas e sem desconfianças ou medo. Se estes sentimentos existirem, porém, nada pode impedir na busca. Basta colocar-se a caminho.

Francisco, mesmo depois dos sinais, ainda se arrisca na aventura do tudo deixar e se lançar na estrada. Ele sabia que tudo dependia de sua saida de casa, pois lá não seria possível continuar com o seu desejo de perseguir e, seguir ao Cristo que o tocara e o fizera mudar de vida. E assim, ele caminha pelas ruas, vestido de trapos, sem nada possuir para viver na liberdade e gratuidade do ser humano e seguidor do homem da cruz.

A itinerância passa a ser marca indelével do novo estilo de vida que nasce, na contrapartida do estilo de vida monástico estável localmente. Francisco não estrutura esta nova Ordem porque ele concebia para si mesmo que a vida monástica não podia mais ser um estilo único de vida religiosa e assim ele precisava fundar outro modo e outras estruturas. Pelo contrário, nas Fontes Franciscanas não aparecem referências que nos possilitem tal argumentação. O que acontecia com ele era totalmente inusitado e sem intenções pré-concebidas. É curioso que em Francisco não tenha havido tal preocupação, mas não é de forma alguma uma atrocidade, pois era a mão de Deus desejando a concebendo tal estilo de vida.

A itinerância é nossa marca registrada na vida franciscana. Certa vez se dirigiram a Francisco fazendo referência ao "sua" cela (quarto). Esse pronome possessivo caiu como uma pedra que o esmagava, pois para ele não era concebível ser possuidor de qualquer coisa que existisse. No mesmo instante ele se retirou daquele lugar. A itinerância franciscana significa acima de tudo disposição total de fazer de si mesmo oferta e caminho na condição de não possuidor de nada que seja. É aquele trabalho no pessoal que o NPSF recomendou aos seus frades do "vencer-se a si mesmo".

Imaginemos uma situação e vamos utilizá-la como exemplo, sem pensar em ninguém de modo concreto, para que não corramos o risco de realizar pré-julgamentos anti-evangélicos. Um frade muito apegado a certo lugar, pois ali conseguiu conquistar muitas amizades, ganhou o afeto de todo aquele povo. Deixar este local seria um sofrimento sem tamanho. Esse mesmo frade precisará por ordem superior deixar tal lugar. Todos nós, em algum momento da vida já passamos por tal situação, não semelhante na configuração, mas no sentimento que aflora neste indivíduo. É um sofrimento lascado! Mas terá que deixar, pois o que está em jogo é a própria vocação franciscana. O que isso quer dizer? O Apego nos afasta da missão primordial de nossa vida, pois passamos a desejar apenas a salvação de nosso ego. O perigo da apatia vocacional virá sempre que nos furtarmos da missão primordial a qual fomos convocados pela Trindade a realizar. A nossa vocação está em vista do que, afinal?
MDT

sábado, 4 de julho de 2009

Família, formadora da Igreja

"Sua mãe e seus irmãos foram, se detiveram fora e enviaram um recado chamando-o. As pessoas estavam sentadas em torno dele e lhe dizem: 'Vê, tua mãe e teus irmãos estão fora e te procuram.' Ele lhes respondeu: 'Quem é minha mãe e meus irmãos?' E olhando os que estavam sentados em círculo ao redor dele, diz: 'Vede minha mãe e meus irmãos. Pois, quem cumpre a vontade de meu Pai do céu, esse é meu irmão, irmã e mãe. (Mc 3, 31-35)

A família, no contexto da vida humana é sempre formadora, em todos os âmbitos. Na vida Igreja como um todo ela também não deixa de possuir esta missão. Mas o termo formadora podemos conceber a partir de dois modos: como constituidora ou como educadora. Uma compreensão não exclui de forma alguma a outra, mas fazemos este tipo de diferenciação por motivos pedagógicos. Vejamos o porquê.
A família é célula constituidora não somente da Igreja, mas da sociedade como um todo, com todas os seus deveres e direitos inerentes. Constitui para formar estruturalmente e organizar todo o conjunto social.
A família é também possuidora da missão de educar, formar, transmitir o plano formal das tradições de valores básicos de vida pela capacidade e função primordial de relacionamento.
Mas este tema ao qual assumimos como trabalho desenvolver se desdobra na verdade, sob dois pontos importantes a serem esclarecidos: 1) a Família e 2) a Igreja. Partiremos do aspecto mais amplo e geral, a Igreja. E assim, precisamos explanar sobre a compreensão fundante. A Igreja, numa conceituação a partir dela mesma é sacramento universal da salvação e comunidade para o Reino. O Filho de Deus assumiu a condição humana para resgatar a humanidade. E o Cristo, através da estrutura social da Igreja Católica é o órgão de salvação para o mundo.
Para que possamos nos situar mais claramente e sairmos de nossas compreensões universalistas demais, a Igreja não constitui simplesmente uma organização universal concernente somente ao Papa e seus cardeais, mas a Igreja deve ser compreendida e vivenciada a partir da realidade da comunidade, ou seja, a Igreja é uma congregação local. A Igreja não é católica se não for local, particular; mas a Igreja particular não é a Igreja a menos que seja católica.
Pela celebração da palavra e da ceia eucarística Cristo está presente na comunidade cúltica de modo real, pois está assim presente a modo de membro principal do corpo, a cabeça, aquele que é o chefe constituidor junto com seu povo (Mc 3, 31-35).
Aqui podemos explanar sobre a família. Mas antes façamos algumas antecipações. A família na verdade é uma pequena comunidade onde se difunde o relacionamento entre seus membros. A família deve ser pensada no conjunto da vida. Ela se liga à sociedade e se plasma a partir dela. No seu estruturar-se básico a família se organiza a partir da aliança, consangüinidade e da descendência. A aliança entre o homem e a mulher não é um simples acordo, contrato estabelecido (como se diz comumente), nem promessa somente, entretanto é profissão, pois o amor não é sentimento que se sente sem querer, mas é decisão existencial acima de tudo.
No seu bojo, a família possui uma constituição humanizadora básica de dar sentido e direção às coisas. Como conjunto de pessoas em relações de reprodução humana, ligadas por laços de aliança, consangüinidade e descendência a família desempenha sua atuação na produção também nas relações, sentidos e significados. O criar significação desempenha no conjunto da vivência concreta uma natureza formadora do humano que se efetua na relação. A família desempenha ainda funções básicas no nível biológico, afetivo, educador, político e religioso. Não aprofundaremos nenhum destes agora, mas isso é importante para ampliarmos nossa visão.
A autoridade, estabilidade e a comunidade de vida no interior da família constituem a base para a liberdade, segurança e fraternidade dentro da sociedade. A vida da família é treinamento para a vida social. Na família vemos a obra criadora de Deus pela procriação. As que vivem de acordo com a fé constituem uma comunidade de esperança e caridade e são uma representação e realização específica da comunidade eclesial. Por isso podemos denomina-la de Igreja doméstica, pois a família é a primeira escola de vida cristã. Neste ínterim, a tradição no seio familiar é o organismo vivo de transmissão de valores que depende dos mais velhos para difundirem aos mais novos os valores daquela família específica.
Desse modo, o matrimônio foi instituído como sacramento porque entendido como sinal da aliança eterna do relacionamento vital de Deus com os homens, desde o ponto de vista bíblico, onde vemos a constituição básica do verdadeiro relacionamento de fidelidade e de amor profundo onde não vemos nada mais do que a essência da vida divina na doação sem preocupações com reservas a si mesmo. O vigor da vivência de Deus é nesse sentido união, doação e amor. Na família devem reinar todos estes valores que são centrais, caso contrário encontraremos toda esta gama de problemas na sociedade, esta que é espelho de como está a família na sua constituição interna hoje. A família hoje, para ser formadora de Igreja precisa ser unida em pontos centrais de sua vivência, tais como oração comum, atividades em comum, transmissão de valores morais e de fé, as famílias devem também ser detentoras de uma missão comum no seio da Igreja, missão que concerne a todos os cristãos batizados. No seio da sociedade e da Igreja isso é de mdo mais do que natural uma vitalidade de que nunca poderemos abrir mão. É no seio da casa que se dá o início e a realidade da Igreja.
FRFC
Referências: FUELLENBACH, John. Igreja, comunidade para o Reino. São Paulo: Paulinas. 2006;
ANJOS, Márcio Fabri dos. Teologia da Família e do Matrimônio. Anotações para uso dos alunos com complementação em sala de aula. São Paulo: Itesp/Assunção. 2009.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Novo (antigo) sistema governamental: o Solidarismo.


“Uma coisa sabemos: nosso Deus é o mesmo Deus de vocês. Esta terra é preciosa para ele. Nem o homem branco pode ficar de fora de um destino comum.” (Discurso do Chefe Seattle)

Estamos todos fadados a um destino comum. Essa realidade da concretude existencial da humanidade é o fator primordial para salvar todo o gênero humano de um colapso. As gerações vindouras serão (já o são) nossos credores se não tomarmos medidas drásticas para a solução de todos – todos – os problemas ambientais nos quais entramos.
Mas, inicialmente devemos trocar toda nossa orientação compreensiva à respeito de vários fatores: sobre a terra; sobre a humanidade, sobre a pessoa humana; sobre o progresso; sobre a comunidade; sobre Deus; sobre o consumo; sobre os relacionamentos; sobre a vida; enfim, muito mais do que os citados, sobre todo o conjunto da vida humana. Fritjof Capra dissertou sobre a Teia da Vida. Este insigne físico-pensador tocou num ponto-chave para começarmos a revolucionar e a transformar nosso planeta e “reconstruí-lo” novamente. No ambiente em que vivemos tudo está interligado numa mútua interdependência, como numa teia. Se um dos elos se desfaz deixa outro lado pendente. Será que não conseguimos nos despertar para esse conjunto de nossa vida?
Dentre os diversos fatores citados, acima se faz mister destacar dois, no meu ponto de vista centrais, aos quais pedem nova postura ante ao impulso devastador do a) consumismo que já não constitui, como anos atrás, princípio a ser encarado apenas no âmbito moral, mas acima de tudo tornou-se princípio de cunho vital. Isso quer dizer que para adequarmos nosso comportamento teremos que assumir uma postura de consumo mais voltado para a sobriedade e o controle a partir de perspectivas acima de tudo solidárias. Sobre o controle, antes de tudo deve haver o controle sobre os desejos (e aqui poderíamos abrir outro leque de reflexão no que diz respeito aos desejos produzidos por meios de comunicação marketistas), pois muitas das vezes os impulsos são estalos momentâneos provocados seguidos de arrependimentos. Não só os desejos, mas a capacidade crítica da população deve ser ampliada (outro campo de análise poderia ser aqui aberto...)
b) Outro fator que deverá ser encarado de frente nos próximos tempos será o conceito de progresso. Há pouco mais de cem anos atrás começamos a devastação do nosso planeta. Nosso ecossistema está clamando por cessar tamanha ação destrutiva.

Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada folha brilhante do pinheiro, cada punhado de areia das praias, cada pedaço da penumbra da floresta densa, cada clareira ou inseto a zumbir é sagrado na memória e na experiência de meu povo.” (Discurso do Chefe Seattle)

E não pode deixar de ser para nós “homens brancos”. Repito que é vital para novos modos, nova compreensão. Por exemplo: pensemos se cada família da China ou da Índia, uma das duas, instituísse como direito inalienável que cada família deveria ser possuidora de uma geladeira. Você sabe qual seria a conseqüência não só local, mas global? Portanto, urge nos dirigirmos para um gênero de vida onde devemos repensar nossa existência enquanto ainda podemos nos dar a este luxo, caso contrário seremos forçados a isto.
Para tal, outra medida não temos se não for a do desbanque dos grandes produtores e donos do capital, principais, aliás, únicos responsáveis por tal situação. E o único caminho a ser empreendido será o da solidariedade produtiva, relacional, ambiental... no lugar de um capitalismo destruidor
FRFC

quinta-feira, 2 de julho de 2009

"Quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz"

Por Carlos Alberto Libânio (Frei Beto)

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China.Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão.Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam.
Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam.
Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas, como a companhia aérea oferecia outro café, todos comiam vorazmente (robôs, escravos do modernismo, ignorantes que não estão vivendo, uma triste situação humana!!!
Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade?
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: ‘Não foi à aula?’ Ela respondeu: ‘Não, tenho aula à tarde’. Comemorei: ‘Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde’. ‘Não’, retrucou ela, ‘tenho tanta coisa de manhã… ‘ ‘Que tanta coisa?’, perguntei. ‘Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina’, e começou a elencar seu programa de garota robotizada.
Fiquei pensando: ‘Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!”
Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a inteligência emocional.
Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem 60 academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: ‘ Como estava o defunto?’ ‘Olha, uma maravilha, não tinh uma celulite!’ Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega Aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções - é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então,é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: ‘Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!’ O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, falta de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas…
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno… Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald’s…
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: ‘Estou apenas fazendo um passeio socrático’. Diante dos olhares espantados, explico: ‘Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: ‘Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz’.

Fonte: http://desempregozero.org/2008/07/24/frei-beto-otima-reflexao/

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Consciência histórica

"Hoje, para nós, essa mesma preocupação humana de fidelidade, de compromisso com o passado e com a vida, essa mesma descoberta progressiva da missão histórica, essa mesma vontade de construir um mundo mais feliz e mais humano, geralmente nascem não da análise da história bíblica, mas da análise da nossa história que carregamos conosco na nossa memória; nascem da nossa vida e do nosso presente."*

É de se admirar sempre quando da concreticidade da vida humana. Uma referência que nunca deveria ser deixada de lado é a memória histórica de um povo ou de uma pessoa. A isso costumamos denominar de conciência histórica. O engajamento pessoal na história torna mais real a vida na terra, pois concretiza toda uma construção não só mental de uma vivência, mas acima de tudo, maximiza nossa experiência existencial. Ou seja, a não preocupação com a concretude histórica causa na vivência pessoal uma apatia transformada ao mesmo tempo numa experiência discriminatória das atitudes sociais. Explico-me melhor: os atores sociais destes nossos tempos não cultivam ideais históricos, i. é., nas ações sociais não há preocupação com construção de atos duradouros e de cultivo das tradições. Tradições, aqui, não entendidas como tradicionalismo, mas como continuidades históricas capazes de transformações. Todos somos detentores de uma missão histórica.

A fidelidade, seja no nível moral ou de modo mais abrangente, sempre evoca algum vínculo acima de tudo de progressividade. A consciência de um engajamento histórico é sempre efeitual. Ninguém que viveu, vive ou viverá é desprovido desta noção peculiar somente ao ser humano. Todas as situações são evocadoras deste ponto de vista da vida humana. A citação colocada acima evoca esta vertente de pensamento que defende a construção da história bíblica a partir da concretude histórica de um povo, pessoa, comunidade. Nada do que é humano pode ser estranho a experiência religiosa que fazemos na vida.

Tudo é fruto do acaso! Será que podemos fazer este tipo de afirmação? Por que não? Paremos e pensemos um pouco: nossa história não está escrita num livro antes mesmo de nascermos. Penso que isso é uma noção mais do que básica, é vital. Ainda: dizemos que nosso Deus nos oferece a liberdade. Isso é na vedade mais do que tranquilo. Então nada do que acontece acontece por um desígnio pré-estabelecido, mas acontece por acontecer. Aqui eu quero retomar o pensamento exposto acima. A consciência histórica possiblita a todos nós desejar a construção de uma realidade que seja de alguma forma favorável a total disponibilidade vivencial. Tudo na história dos homens depende de nossa ação, que não pode deixar de ser histórica e nunca deixará de ser porque estamos engajados nele e fadados às suas peripécias, aliás, nossa peripécias.

Por isso falamos tanto da volta às fontes. Voltar às fontes é justamente esse modo de engajar-se na história humana e agradecê-la, pois de nada serviria nossa volta às fontes se não fosse primeiramente para agradecer. Depois sim, escarafunchar nas fontes sinalizadores para nossa vivência atual. Na VR como um todo difunde-se há anos essa nessa necessidade da volta às fontes, não só dos fundadores das congregações e ordens religiosas, mas às fontes de nossa fé cristã.
FRFC
*MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. Petrópoles: Vozes. 1974, p. 129