quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A complexidade da formação literária da Bíblia: parte 1

Tentativa de resposta às questões feitas na postagem anônima do dia 1 de setembro de 2009

Qual sua opinião sobre a exatidão e veracidade das escrituras, podem elas terem sido adaptadas para algum tipo de convencionalismo, pq textos selecionados? O povo deve permanecer na ignorância por vontade do homem?

“Diversamente do islamismo, o cristianismo não constitui religião do livro. Para o surgimento de uma coleção de escritos santos, tidos como inspirados e canônicos contribuíram antes apenas razões sugeridas pelo seu processo e sua situação: além do impulso interno para automanifestar-se socialmente (paralelamente com a hierarquia e constituição de Igreja), a crescente distância concernente aos fundadores, a atitude missionária, o modelo anterior dos escritos do Antigo Testamento e, não em último lugar, a necessidade apologética. Uma vez que já bem cedo adveio o fenômeno de escritos paralelos, concorrentes e imitativos, já no decurso do processo de surgimento propô-se o problema da delimitação (cânon) e apreciação de seu valor, como também de sua exploração metódica, de sua interpretação teológica e, não em último lugar, de sua classificação literária.”[1]
Os textos são selecionados não para obedecer a uma ideologia constituída, mas exatamente porque obtiveram aceitação na Igreja. Quando se diz Igreja quer se afirmar a comunhão popular de todos os membros. O que aconteceu posteriormente foi uma canonização dos livros por parte da “hierarquia” e também exegetas competentes, ou seja, foram adotados como livros inspirados por Deus. Afirma o mesmo dicionário de teologia supracitado: “Como texto, a Escritura, como toda expressão literária, requer, durante o seu surgimento (2 Pd 3,16), recepção inicial. Contudo, distingue-se ela do caso normal pelo fato de que o seu leitor primário não é o destinatário individual, mas a Igreja. Somente por sua “leitura” é que a Escritura ganha sua plena realidade atual. Somente assim é que se pode entender que a Igreja decide não só com autoridade exterior, mas também por competência interna, sobre a abrangência, qualidade e dignidade da Escritura, mas sobretudo sobre o seu sentido.”[2]
MDT
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[1] EICHER, Peter (org.). Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. São Paulo: Paulus. 1993. p. 235
[2] Id. Ibid., p. 236

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A vocação franciscana - parte III: Origem do nome "Frades Menores" A minoridade Franciscana (Continuação)

É certo que em Assis, como no resto da Itália, existiam duas classes sociais, os menores ou classe urbana, a qual ele pertencia, e os maiores ou nobres, a qual ele aspirava pertencer. Mas nada, nem em seus escritos nem nas demais fontes, dá a entender que fosse assim; antes disso, escolheu o caminho da minoridade evangélica, como se quisesse dar uma lição não somente nos maiores e poderosos, mas também nos que, chamados menores, aspiravam, pela riqueza e poder, colocar-se a altura da classe feudal dominante. Disse frei Tomás de Celano que Francisco elegeu o nome de Menores ao rever a Regra que ele mesmo havia redigido, onde se dizia: "Os irmãos sejam menores". Foi então que exclamou: "Quero que esta fraternidade se chame Ordem dos Frades Menores". Com efeito, em vários capítulos da Regra de 1221, que parecem remontar-se ao texto primitivo, aparece o termo menores, sempre com uma indiscutível raiz evangélica. No capítulo 5º se lê: " Nenhum irmão tenha poder ou domínio, e menos entre eles; pois, como diz o Senhor no evangelho; 'Os comandantes dos povos os dominam e os que são maiores exercem poder sobre eles'. Não será assim entre os irmãos. Todo aquele que quer ser maior entre eles seja seu ministro e servo; e o que quer ser o maior entre eles, que seja o menor. E nenhum irmão cause dano ou fale mal de outro, mas, pela caridade do espírito, sirvam e obedeçam uns aos outros de boa vontade. E esta é a verdadeira e santa obediência de Nosso Senhor Jesus Cristo".
Nos capítulos 6º e 7º está escrito: "A ninguém se chame de prior, mas todos, sem exceção se chamem de frades menores. E lavem os pés uns dos outros... Os irmãos, onde quer que se encontrem, servindo ou trabalhando em casas de outros, não sejam secretários nem estejam à frente deles nem aceitem nenhum ofício que provoque escândalo ou cause dano a sua alma; mas sejam menores e sejam submissos a todos os que vivem na mesma casa".
Também se conta que Francisco incluiu o nome de menores na regra por revelação divina, porque quis fundamentar-se a si mesmo e a sua família sobre a rocha firme da humildade e pobreza do Filho de Deus. Um testemunho pouco conhecido de frei Gil o explica deste modo: "Dizer 'frade menor' é como dizer 'estar aos pés de todos'. Quanto maior seja a humilhação, maior será a exaltação. Por isso São Francisco dizia que o Senhor lhe havia revelado que deviam chamar-se 'Frades Menores'". A essa revelação se referia seguramente quando dizia a seus íntimos: " A Ordem dos Frades Menores é um pequeno rebanho que o Filho de Deus pediu ao Pai nestes últimos tempos, dizendo: 'Pai, quisera que me desses um povo novo e humilde que se distinga, por sua humildade e pobreza, de todos os que o tem precedido, e se conforme com ter somente a mim'. E o Pai lhe concedeu. Por isso quis o Senhor que se chamem Menores, pois eles são esse povo que o Filho de Deus pediu ao Pai e do qual diz o evangelho: 'Não temais, meu pequeno rebanho, pois o Pai tem se comprometido em dar-lhes o reino'. E também: 'O que fizestes a um destes meus irmãos menores, a mim mesmo fizestes'.
Quando o Senhor falou assim, se referia, sem dúvida, a todos os pobres de espírito, mas, principalmente, predisse o nascimento em sua Igreja da Ordem dos Frades Menores". Em outra ocasião dirá: "Deus quis que se chamassem Frades Menores porque devem mostrar-se inferiores e mais humildes e pobres, pela humildade de coração, nas palavras, em obras e no hábito; e nunca pretendam ser maiores na Igreja, mas peçam e permaneçam sempre na maior e mais profunda humildade".
Minoridade, portanto, como sinônimo de humildade, em seu mais pleno sentido. Assim o reconhece, por exemplo, Tomás de Celano quando escreve: "Certamente, eram frades menores aqueles que, submissos a todos, buscavam sempre o último lugar e tratavam de trabalhar nos ofícios que tinham alguma aparência de desonra, a fim de que, fundados na verdadeira humildade, merecessem ser edificados perfeitamente no edifício espiritual de todas as virtudes".
São Boaventura é do mesmo parecer: "Francisco, exemplo de humildade, quis que os irmãos se chamassem menores, e os superiores de sua Ordem, ministros (servos), para usar as mesmas palavras do evangelho, cuja observância havia prometido, para que seus discípulos se dessem conta de que tinham vindo à escola de Cristo humilde para aprender a humildade". E o bispo Jacques de Vitry, que conheceu pessoalmente a Francisco e seus companheiros, em fevereiro de 1220, em vida do santo, escreveu: "Esta é a Ordem dos verdadeiros pobres do crucificado, que é também Ordem de Pregadores, os chamados Frades Menores. Por certo, menores e mais humildes que todos os religiosos deste tempo, no hábito, na nudez e no desprezo do mundo".
Por último, como dado de curiosidade, Ângelo Clareno assegura que Francisco não quis que sua família religiosa se chamasse Ordem, mas "Vida" dos Menores. Ignoramos de onde tirou esta notícia, mas o certo é que nas versões conhecidas da Regra, e em todos os seus escritos, nunca aparece a palavra Ordem, mas Religião, Fraternidade ou Vida, como quando diz: "Esta é a vida do Evangelho", "Esta é a regra e vida dos Frades Menores", "Se alguém quiser abraçar esta vida"...
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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A vocação franciscana - parte III: Origem do nome "Frades Menores" A minoridade Franciscana

Antes da aprovação da Regra, o grupo de frades de Rivotorto não tinha uma denominação específica e se apresentava simplesmente como "Penitentes de Assis", porque ainda não eram uma Ordem. Somente depois da aprovação da Regra ou forma de vida por parte de Inocêncio III começaram a chamar-se Frades Menores, mas graças ao testemunho do cronista Buscardo de Ursperg sabemos que no princípio se chamavam Pobres Menores, em sintonia com outros movimentos de seu tempo, heréticos ou não, que se chamavam Pobres de Lion, Pobres Lombardos, Pobres católicos, etc. Tal relação com outros grupos religiosos contemporâneos não é de se estranhar: Francisco, ainda que dirigido e orientado sempre por inspiração divina, nunca viveu a mercê das inquietudes de seus contemporâneos, nem seu projeto de vida foi alheio aos novos projetos de vida religiosa que se deflagrava ao seu redor. Basta comparar seu ideal de pobreza, itinerância, pregação da penitência e demais práticas evangélicas e apostólicas para comprovar que não era diferente dos demais grupos. Portanto, a originalidade franciscana não está ali, mas na radicalidade de vida, que superou a todos, na catolicidade insubornável e, sobretudo, no modo humilde e serviçal -minoridade- com que se apresentava ante os demais. Para salvaguardar a humildade do grupo foi que o santo substituiu em seguida o nome de Pobres pelo de Frades, como refere o mesmo Buscardo de Ursperg ao descrever seu estilo de vida; "Estes -os menores- ao contrário daqueles (os pobres lombardos): andavam realmente descalços, tanto no verão como no inverno, e não recebiam dinheiro nem outras coisas, salvo o alimento ou, todo o mais, a roupa necessária, se alguém lhes desse espontaneamente, pois nada pediam a ninguém. Eles mesmos, andando no mundo, ao se dar conta de que as vezes a fama de muita humildade pode levar a vanglória e de envaidecer-se diante de Deus por motivo de pobreza, como ocorre com muitos, preferiram chamar-se Frades Menores, em vez de Pobres Menores, submetidos totalmente à Sé apostólica". AoSubmeter-se totalmente à Sé apostólica, Francisco impediu que sua Ordem tropeçasse na mesma pedra que outros contemporâneos seus, caindo na arrogância e na vanglória. Não aconteceu isso por graça de Deus e porque o bispo de Assis Guido I teve suficiente sabedoria desde o princípio para evitar esse desastre. O mesmo Santo se mostrava agradecido, quando dizia aos seus irmãos: "O Senhor nos enviou para propagar a sua fé e dos prelados e clérigos de nossa Santa Mãe Igreja. Por isso, devemos, na medida do possível, amá-los sempre e honrá-los e respeitá-los. Os irmãos se chamem Menores porque, como no nome, também sejam humildes pela conduta e exemplo com todos os homens deste mundo. Porque no princípio de minha conversão, quando me separei de meu pai carnal e do mundo, o Senhor pôs suas palavras na boca do bispo de Assis para dar-me conselho e ânimo no serviço de Cristo. Por essa razão e por outras muitas qualidades eminentes que aprecio nos prelados, quero amá-los, venerá-los e tê-los como meus senhores; e não somente aos bispos, mas também aos sacerdotes pobrezinhos". Como diziam seus companheiros, Francisco, com a ajuda de Deus e como sábio arquiteto, se fundamentou a si mesmo e a sua Ordem sobre a rocha firme, quer dizer, sobre a altíssima pobreza e humildade do Filho de Deus, chamando-a "Religião dos Frades Menores".Muito se tem escrito sobre a eleição desse título, mas tem que se descartar absolutamente que tivesse que ver com uma opção de classes.
Continua...
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Do endereço http://www.vocacoes.com.br/l_ofm.htm#1

sábado, 19 de setembro de 2009

A vocação franciscana - parte II: Assim eram chamados: penitentes de Assis

Por frei Arnaldo Aragão OfmConv
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Continuando, do dia 31 de agosto de 2009, a reflexão em preparação para a solenidade dos 800 anos de fundação do carisma franciscano.

Estamos às vésperas da solenidade de morte do nosso seráfico pai São Francisco. Neste ano esta solenidade se dará de modo todo especial, pois estamos comemorando os oitocentos anos do nascimento da Ordem Franciscana ou carisma franciscano. Para evitar todo e qualquer anacronismo é necessário voltar ao princípio deste acontecimento.
Não podemos pensar que frei Francisco no começo criou uma “ordem” tal qual conhecemos hoje, até porque o seu desejo primeiro era “começar a fazer penitência”. E isto ele o fez até o último suspiro que Deus lhe concedeu na “terra dos homens”. Começar a fazer penitência é indubitavelmente a condição da possibilidade para entendermos o caminhar nascedouro da vida de Francisco e conseqüentemente o resultado da sua conversão.
Sendo assim, Francisco e os seus companheiros eram conhecidos e definidos como os penitentes de Assis. É sabido que anteriormente a Francisco já existiam grupos ou movimentos que se denominavam penitentes; isto porque é saudade da nossa alma buscar Deus e para chegar a Ele é necessário fazer penitência. Aqui entendida como concreção de um encontro com Cristo e não como um fardo duplamente pesado. É neste espírito que Francisco inicia sua trajetória, a partir da alocução do crucificado: “Francisco vai e restaura minha Igreja, que em ruínas cai”.
Toda e qualquer penitência indica mudanças, na linguagem religiosa – conversão. Todo processo de conversão é exteriorizado, isto é, colocado em miúdos aquilo que foi significativo para uma mudança de vida. É nesta direção que Francisco se encontra no começo. O ideal evangélico o atraiu de tal forma que ele quis viver de um modo todo especial, a modo de pobre: uma túnica, bastão, cinto, sacola, sandálias, etc, são substituídos por apenas um saco de pano surrado, descalço e o cordão na cintura como cinto, esse era o seu traje de festa. Essa mudança interior e exterior atrai outras pessoas para si: assim vieram os primeiros companheiros de Francisco. Assim começou a formar “os penitentes de Assis” que algum tempo mais tarde serão chamados de irmãos menores, a exemplo de Jesus Cristo que também se fez irmão menor para a salvação de todos.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Dia da impressão dos Estigmas em São Francisco

Celebramos hoje o dia da impressão das chagas do Crucificado em Francisco. Isso aconteceu no Monte Alverne, quando ele se retirou para a celebração da quaresma de São Miguel Arcanjo. Depois de profundos momentos de oração Francisco recebeu a resposta do Senhor para a participação nas dores de Jesus.
Na verdade essa festa, para toda a família franciscana e para a Igreja constitui uma evocação do tipo de intimidade que se deve cultivar com Jesus. Discute-se sobre a autenticidade da impressão de chagas em pessoas afirmando-se que são causas puramente psiclógicas. Decerto, isso constitui o maior testemunho de busca do Senhor, pois afinal, o que não se produz no humano que seja na maioria das vezes fatores psicológicos? E Francisco de modo inteiro se colocou na busca do encontro com o Mestre.
MDT

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Desafio: ARRISCAR

Na história humana cada pessoa, na configuração existencial na qual se encontra, tem o dever de viver construindo sentindo e descobrindo sentido.
Se assim não o fosse dificilmente conseguiríamos construir a história e nos encontrar todos aqui onde estamos.

É fato real que se não vivemos a vida cobrando sentindo para tudo, um dia, a qualquer momento, sem esperar, a própria vida cobrará de nós... Essa afirmação não é gratuita assim. A depressão, não acontece devido a este fator? Uma hipótese que pode ser até mesmo perigosa e simplória demais.

Ainda, a estabilização (estagnação existencial) e a segurança exagerada são fatores que se despontam arriscados. Como isso? Sim, quem não arrisca na vida, ainda que por períodos de intervalos longos, não conhece o sabor da vitória e nem amargo da derrota, este tão fundamental para o amadurecimento. Se isso não houver, um dia a vida vai cobrar...

Os fracassos possíveis da iniciativa de quem tenta são reais. Mas, não podem amendrontar! Têm que se nos afigurar como momentos de encontro com o desafio essencial, o de viver. Quem pouco erra é sinal de que pouco está se arriscando.

É fato real que existe quem tenha determinados tipos de personalidade que não possibilitam isso, mas o mínimo de tempero deve existir em qualquer refeição, caso contrário fica difícil descer e até digerir o alimento.
MDT

sábado, 12 de setembro de 2009

Aprender do sofrimento

Por Leonardo Boff

O sofrimento é a grande escola do aprendizado humano. Contém verdade, a frase atribuída a Hegel:”o ser humano aprende da história que não aprende nada da história, mas aprende tudo do sofrimento”. Prefiro a formulação de Santo Agostinho em suas Confissões:” o ser humano aprende do sofrimento mas muito mais do amor”.
O amor fati (o amor à realidade crua e nua) dos antigos e retomado por Freud se impõe nos dias atuais em que a humanidade se vê assolada por grave crise de sentido, subjacente à crise econômico-financeira. Devemos reaprender a amar de forma desinteressada e incondicional a Terra, todos os seres, especialmente os humanos, os que sofrem, respeitá-los em sua diferença e em suas limitações. O amor é uma força cósmica que “move o céu e as estrelas” no dizer de Dante. Só quem ama, transforma e cria.
Os grandes se reúnem, estão confusos e não sabem exatamente o que fazer. É que amam mais o dinheiro que a vida. Se amor houvesse, aprovariam o que está sendo proposto: uma “Declaração Universal do Bem Comum da Humanidade”, base para uma “Nova Ordem Global e Multilateral” contemplando toda a humanidade, a Terra incluída. Mas não. Perplexos, preferem repetir fundamentalmente, as fórmulas que não deram certo. Caberia, entretanto, perguntar: que capacidade possuem 20 governos de decidir em nome de 172? Onde estão os títulos de sua legitimidade? Apenas porque são os mais fortes?
Mesmo assim vejo que se podem tirar algumas lições, úteis para as próximas crises que estão se anunciando.
A primeira dela é que os governantes, para além de suas diferenças, podem se unir face a um perigo global. Mesmo que suas soluções não representem uma saída sustentável da crise, o fato de estarem juntos é significativo, pois dentro de pouco enfrentaremos uma crise muito pior: da insustentabilidade da Terra e dos efeitos perversos do aquecimento global. Este trará consigo a crise da água e da insegurança alimentar de milhões e milhões de pessoas. Tal situação forçará uma união dos povos e dos governos, maior do que essa dos G-20 em Londres, caso queiram sobreviver. Se grande será o perigo, maior será a chance de salvação, dizia um poeta alemão, mas desde que ocorra esta união. A solução virá somente de uma política mundial assentada na cooperação, na solidariedade, na responsabilidade global e no cuidado para com a Terra viva.
A segunda lição é que não podemos mais prolongar o fundamentalismo do mercado, o pensamento único que arrogantemente anunciava não haver alternativas à ordem vigente, como se a história tivesse sido engessada a seu favor e destruído o princípio esperança. Nem podemos mais confiar na mera razão funcional, desvinculada da razão sensível e cordial, base do mundo das excelências e dos valores infinitos (Milton Santos, nosso grande geógrafo) como o amor, a cooperação, o respeito, a justiça e outros. Desta vez, ou elaboramos uma alternativa, vale dizer, um novo paradigma civilizatório, com outro modo de produção, respeitador dos ritmos da natureza e um novo padrão de consumo solidário e frugal ou então teremos que aceitar o risco do desaparecimento de nossa espécie e de uma grave lesão da biosfera. A Terra pode continuar sem nós. Nós não podemos viver sem a Terra.
A terceira lição é constatar que a economia, feita eixo estruturador de toda a vida social, se torna hostil à vida e ao desenvolvimento integral dos povos. Ela deve ser reconduzida à sua verdadeira natureza, a de garantir a base material para a vida e para a sociedade.
Vivemos tempos de grandes decisões que representam rupturas instauradores do novo. Bem notava Keynes:”a dificuldade não estriba tanto na formulação de novas idéias mas no sacudir as velhas”. As velhas se desmoralizaram. Só nos resta confiar nas novas. Nelas está um futuro melhor.
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Leonardo Boff é autor de “Ecologia, Mundialização e Espiritualidade” pela Record, Rio de Janeiro.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Um grito contra a crise e a exclusão

Embalados pelo entusiasmo da Campanha da Fraternidade de 1995 que voltava seu tema para a questão do excluídos, os envolvidos na campanha, realizaram, sem imaginar que criariam tradição, o 1° do que viria a ser uma série de Grito dos Excluídos. Atualmente, o Grito tomou dimensões maiores e, agora, acontece em vários Continentes no dia 12 de outubro.
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"O Grito responde a uma necessidade da sociedade brasileira de que não basta apenas celebrar a Independência, porque o país ainda carece de políticas para uma parte que passa fome, que não tem acesso à saúde e a uma educação que responde à realidade", assegura Juvenal Rocha

A ordem é reivindicar, e não comemorar. Com esse mote, organizações populares, movimentos sociais e entidades ligadas à Igreja promovem a 15ª edição do Grito dos Excluídos, como contraponto às festividades oficiais da Semana da Pátria.

Sob o lema "Vida em primeiro lugar, a força da transformação está na organização popular", o Grito se somará às mobilizações que têm denunciado o atual modelo econômico, responsável pela crise financeira, como explica Ari Alberti, integrante da Secretaria Nacional do Grito dos Excluídos: "O Grito questiona esse modelo econômico que está aí, que se sobrepõe à vida, e diz que, se quisermos mudanças, teremos que construir".
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Fonte:
http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=1&noticiaId=1205

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Bíblia – Sagrada Escritura – Palavra de Deus

O conjunto de livros canonizados que temos na religião cristã e que chamamos de Bíblia (raiz de palavras como biblioteca, bibliografia...), é nosso ponto de partida para conhecer a fé. E o modo como nos relacionamos com este conjunto de livros nos levou denominá-la de Sagrada Escritura. Estes livros para nós são sagrados, isto é, separados, canonicamente considerados inspirados e escritos pelo próprio Deus que se utilizou de mediadores humanos para tal feito.

Entretanto, este conjunto de livros não possuem sentido porque são conjunto de livros (Bíblia) ou ainda porque são sagrados simplesmente. O sentido mais profundo e sua finalidade última está contida na sua concepção de Palavra de Deus. Outro não é e não pode ser nosso relacionamento com este conjunto de livros sagrados.

Não é difícil encontrarmos motivações precipitadas de relacionamento com a Palavra de Deus simplesmente como um livro de receitas, e estas receitas morais de como se deve agradar a Deus, ou como as pessoas devem se comportar, ou qualquer outra aberração do gênero. Diferente de outras religiões (isso não é crítica comparativa), a religião cristã não é religião do Livro, ou seja, com princípios religiosos advindos das letras de um livro, mas nós nos constituímos a religião da experiência de Deus.

Isso significa que nosso sentido de vida não está no simples decorar de versículos e capítulos dos livros sagrados, mas nosso anseio está em saber quem é Deus, onde ele está. Este relacionamento Jesus nos ensinou a cultivar, corrigindo a concepção de Deus daquele seu tempo: esse nome que não podemos (os judeus) sequer pronunciar é o Abbá. Ou seja, afirmar essa expressão quer dizer um profundíssimo estado de relacionamento íntimo. Essa expressão, Abbá, só podia se dizer no interior das casas, no seio do meio familiar.

Para nós, a hermenêutica da expressão paulina “a letra mata o espírito vivifica” (2 Cor 3, 6) vai justamente nesta direção, não somente da espiritualidade da passagem, mas da penetração vivencial que cultivamos com a Palavra de Deus. Estes escritos existem porque outras pessoas de outros tempos em outros contextos também cultivaram um tipo de relacionamento com Deus que os induziu a tal feito escriturário. Estas letras permanecerão pelos tempos afins enquanto existir um ser humano vivo na face da Terra, porque estas palavras atingiram-nos na nossa essência profunda, quero dizer, atingiram-nos porque são escritos que falam para seres humanos que é o mesmo desde o primeiro até o último ser existente, independente de sua cultura ou nacionalidade. Melhor dizendo, qualquer humano se angustia, se alegra, sofre, ri, chora, tem anseios e desejos e sonhos, tem medo e se arrisca, deseja conhecer o mais profundo da realidade... É nesse “entreveio” que a Palavra de Deus se insere.
MDT

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Deus, Onde estás?

No início do mês da Bíblia um texto inspirador do magnífico biblista Carlos Mesters.
Deus, Onde estás?
A pergunta não é de hoje. Antes de nós, muitos a fizeram. É o tipo de pergunta cuja resposta influi demais no rumo que se toma na vida. Por isso, não é de todo inútil ter alguém que nos possa orientar na procura da resposta. Entre as muitas respostas já dadas, existe uma que a história registra e que, até hoje, não deixa de impressionar. É a Bíblia, traduzida em mais de mil línguas, “best-seller” mundial, com mais de um bilhão de exemplares vendidos.
A Bíblia é como o álbum familiar que conserva tudo quanto é tipo de fotografias, fotografias importantes do dia do casamento, do batismo dos filhos, da nova casa, e fotografias aparentemente sem importância de um pique-nique descontraído, num fim de semana qualquer e que nem data tem mais. Os critérios, para dizer que uma fotografia é importante e outra não, são relativos. A fotografia, tirada com máquina barata, do nenê todo sujo e sorridente, pode ser mais importante do que a fotografia oficial e muito cara, feita no gabinete do fotógrafo. Ambas, porém, são sem importância e sem valor para a carteira de trabalho. Não servem para isso. Mas para álbum, tudo é importante, tudo serve. Ele conserva tudo. Numa desordem organizada, seguindo o ritmo da vida familiar, oferece um retrato fiel da família. É um gozo para os filhos e os netos folhearem aquelas páginas: aprendem quem são e de onde vieram. Com efeito, para esse fim, todas as fotografias são importantes, até as que, aparentemente, não o sejam.
Assim, é a Bíblia. Tem de tudo: fotografias oficiais e formais, e fotografias descontraídas de episódios insignificantes que nem data têm mais. Algumas delas foram feitas para fins de documentação, a outras só resta a finalidade de arrancar um sorriso de quem as olha. É o fiel retrato de um povo, conservado numa desordem organizada, naquelas páginas antigas, que os filhos e os netos vão folheando, para são e criar , assim, uma consciência de sua pertença a esse povo.

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MESTERS, Carlos. Deus, onde estás? Curso de Bíblia. Belo Horizonte: Editora Veja. p. 1-2. 1972