quinta-feira, 29 de outubro de 2009

FAZER EXPERIÊNCIA DE DEUS

Texto longo, mas fundamental. Acompanhe:

Quando falamos em espiritualidade, vêm à nossa mente muitos conceitos captados ao longo da vida. E muitos deles precisam ser calibrados melhor.
Em outro artigo, dissemos que a espiritualidade é, em última análise e em sua essência mais radical, fazer a experiência de Deus. Em vez de Deus, usa-se também termos como o divino, a divindade, o transcendente, o mistério, o sagrado, o radical-outro, a força cósmica, o absoluto, o supremo, a Vida, e outros.
Deus? O que é isso afinal? A palavra Deus é uma palavra-origem. As palavras-origem ou dizem tudo ou quase nada. Quase nada para quem está por fora. Tudo para quem está por dentro. Assim, para quem está engajado na busca e na experiência de Deus, a palavra Deus faz ecoar as profundezas maiores da existência.
Sempre que falamos de Deus, temos dele uma determinada representação. Mas "Deus" não é um conceito, uma idéia, uma representação; ele não é uma coisa sobre a qual "experimentamos". Ele aparece aos poucos e sempre mais, à medida que caminhamos; aparece dentro do próprio caminhar da vida. Aparece nas vicissitudes da vida como alguém que nos chama, provoca, convoca, sustenta, consola e ensina com suavidade e rigor. Por isso tudo o que nos acontece, todas as coisas, todos os encontros e desencontros são na realidade encontros com Deus, experiência de Deus que se nos revela no abismo do mistério do seu amor.
À medida que crescemos na experiência, nossas representações começam a se diluir e se transformam numa presença viva; Deus então se torna uma iluminação, uma força de atuação; Deus deixa de ser representação e conceito, e se torna presença, alguém com quem se tem um encontro real. Mas isso só acontece quando se tem a decisão de fazer a experiência dele.
Há, porém, um equívoco na compreensão da expressão "experiência de Deus", que deve ser tirado a limpo: o de identificamos experiência de Deus com o que “sentimos” em certas práticas religiosas; e se em certos momentos de dificuldade, provação e angústia nada sentimos, tiramos facilmente a conclusão que temos “falta de fé". Mas, os "sentir" pode ser simplesmente euforia emotiva e o "não sentir", quem sabe, ocasião única para alargarmos o nosso coração para a recepção de uma presença que se apresenta fora dos padrões de nossa expectativa. Jesus na cruz é o exemplo mais nítido disso.
Buscar a experiência de Deus é se dar a fé como identidade: acreditar numa força anterior, uma realidade fundamental e mais profunda. É entregar-se ao “Deus revelado em Jesus Cristo”, buscando o chamado dele, que nos ama antes que nós o amemos. Somos escolhidos por Ele que nos amou primeiro. Assim, Deus se torna onipresente, como aquele que nos ensina, consola, provoca, orienta e nos chama à vida com Ele. Essa é a realidade gratificante, que não pode ser esquecida ou diminuída por causa das dificuldades e dos fracassos naturais que encontramos no dia-a-dia.
A experiência de Deus diz respeito ao modo fundamental do nosso relacionamento universal com a vida e com tudo o que ela nos apresenta. Essa presença se espraia por todos os seres do universo. Por isso em todos os seres, na imensidão do firmamento, nas oscilações do tempo e das estações, nos acontecimentos, enfim, em todos os fenômenos do universo, do tempo e do espaço, em todas as vicissitudes históricas, em todas as culturas, em tudo o homem de fé encontra vestígios, provocações e convocações de Deus. Portanto tudo pode evocar a tarefa de crescer na experiência de Deus.
Quem busca fazer a experiência de Deus, cumpre a sua santa vontade. Fazer a vontade de Deus, cerne da identidade cristã, significa participar da sua dinâmica criadora, que enche o universo, que cria novo céu e nova terra, que envia o sol e a chuva a justos e injustos, que varre o vale da morte e da sombra com o sopro vivificador da ressurreição, que cuida dos pardais e das flores do campo, que derruba os poderosos dos tronos e exalta os humildes.
Fazer a experiência de Deus, portanto, é assumir o projeto divino originário acerca do homem. Esse projeto, concretizado por Jesus Cristo, vai além das práticas de piedade, ainda que precise delas; é projeto que salva nossa existência pessoal e transforma (isto é, salva!) o convívio, construindo uma nova realidade marcada pela justiça, pela fraternidade, pela paz, pela vida!
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Dom Fernando Mason ofm conv.: http://www.diocesedepiracicaba.org.br/

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