segunda-feira, 6 de julho de 2009

A itinerância franciscana

A existência franciscana, na medida do crescimento-amadurecimento da vida, se torna lugar e semente da criação e da concretização da vida cristã. O querido irmão Francisco de Assis não soube desejar e ter outra vida depois do contato pessoal com o Deus que descia ao homem para com ele viver todas as situações mais corriqueiras na qual o ser humano está colocado. Era trabalho penoso para ele manter-se na fidelidade da busca, porém, trabalho necessário para saber-se totalmente configurado ao Cristo que tanto o tocava o coração.

Não posso dizer com segurança, mas vejo que a religião cristã é a única que apresenta uma noção tão humana de Deus e tão próximo de nossa vida. E me admira ainda mais como o jovem Francisco se abre tão generosamente a esta oferta de Deus que acontece a todos os homens. Será que Francisco era possuidor de inteligência tão elevada, que lhe possibilitou tamanha percepção de Deus? Respondo, sem querer ser presunçoso, que penso que não! Francisco com certeza era possuidor de inteligência perspicaz, mas nada tão fora do normal. Essa revelação de Deus não depende em nada de grau Q.I., mas de abertura sem reservas e sem desconfianças ou medo. Se estes sentimentos existirem, porém, nada pode impedir na busca. Basta colocar-se a caminho.

Francisco, mesmo depois dos sinais, ainda se arrisca na aventura do tudo deixar e se lançar na estrada. Ele sabia que tudo dependia de sua saida de casa, pois lá não seria possível continuar com o seu desejo de perseguir e, seguir ao Cristo que o tocara e o fizera mudar de vida. E assim, ele caminha pelas ruas, vestido de trapos, sem nada possuir para viver na liberdade e gratuidade do ser humano e seguidor do homem da cruz.

A itinerância passa a ser marca indelével do novo estilo de vida que nasce, na contrapartida do estilo de vida monástico estável localmente. Francisco não estrutura esta nova Ordem porque ele concebia para si mesmo que a vida monástica não podia mais ser um estilo único de vida religiosa e assim ele precisava fundar outro modo e outras estruturas. Pelo contrário, nas Fontes Franciscanas não aparecem referências que nos possilitem tal argumentação. O que acontecia com ele era totalmente inusitado e sem intenções pré-concebidas. É curioso que em Francisco não tenha havido tal preocupação, mas não é de forma alguma uma atrocidade, pois era a mão de Deus desejando a concebendo tal estilo de vida.

A itinerância é nossa marca registrada na vida franciscana. Certa vez se dirigiram a Francisco fazendo referência ao "sua" cela (quarto). Esse pronome possessivo caiu como uma pedra que o esmagava, pois para ele não era concebível ser possuidor de qualquer coisa que existisse. No mesmo instante ele se retirou daquele lugar. A itinerância franciscana significa acima de tudo disposição total de fazer de si mesmo oferta e caminho na condição de não possuidor de nada que seja. É aquele trabalho no pessoal que o NPSF recomendou aos seus frades do "vencer-se a si mesmo".

Imaginemos uma situação e vamos utilizá-la como exemplo, sem pensar em ninguém de modo concreto, para que não corramos o risco de realizar pré-julgamentos anti-evangélicos. Um frade muito apegado a certo lugar, pois ali conseguiu conquistar muitas amizades, ganhou o afeto de todo aquele povo. Deixar este local seria um sofrimento sem tamanho. Esse mesmo frade precisará por ordem superior deixar tal lugar. Todos nós, em algum momento da vida já passamos por tal situação, não semelhante na configuração, mas no sentimento que aflora neste indivíduo. É um sofrimento lascado! Mas terá que deixar, pois o que está em jogo é a própria vocação franciscana. O que isso quer dizer? O Apego nos afasta da missão primordial de nossa vida, pois passamos a desejar apenas a salvação de nosso ego. O perigo da apatia vocacional virá sempre que nos furtarmos da missão primordial a qual fomos convocados pela Trindade a realizar. A nossa vocação está em vista do que, afinal?
MDT