segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A vocação franciscana – parte 1

De início, de modo simples tentarei falar sobre nossa vocação a partir do nosso nome, depois vamos aprofundando ao longo das semanas seguintes até chegarmos em outubro, o mês de São Francisco. Este artigo tem a intenção de encerrar o mês vocacional. O próprio nome da Ordem dada por São Francisco já diz sobre o específico da vocação franciscana: Ordem dos Frades Menores (Conventuais, Capuchinhos ou Observantes[1]).

A Ordem franciscana nasce no seio da Igreja e por isso é designada com o denominativo de Ordem. Toda Ordem o é assim chamada como fator preponderante para seu desempenho eclesial, ou seja, mais do que tudo esse grupo é possuidor de encargo que lhe advém, e por isso não fala, não e não é em seu próprio nome.

Essa Ordem existe para que seus membros sejam irmãos e vivam como irmãos, isto é, como frades. O pai Francisco compreendeu que tudo o que existe, existe porque vem das mãos de Deus. E essa experiência dele configurou toda a sua visão da Ordem e uma mundivisão: nada do que existe não pode não ser nosso irmão ou irmã, todas as criaturas. De Francisco a Ordem dos Frades não pode deixar também de fazer as pessoas entenderem que são envolvidas no todo da Teia da Vida. Somos parte uns dos outros e do todo. O profundo senso de pobreza e humildade a qual a Ordem está incumbida de zelar a partir de Francisco tem como pano de fundo este entendimento de fraternidade e sororidade que nos envolve.

E assim, desenvolvemos o senso de minoridade. No contexto da vivência social de Francisco existia a separação, não muito diferente de hoje, dos maiores ricos e dos pobres menores. Francisco leva em consideração esse fator, e assume como identidade dessa Ordem de frades o ser menor, o estar entre os pobres, o SER pobre, acima de tudo. Ser menor na vida franciscana é condição de vida, estado psicológico, disposição existencial, opção de vida, chamado de Deus, escolha pessoal.

A vocação franciscana se configura a partir de outros âmbitos, mas possuem desdobramentos a partir desses vieses já citados. Antes mesmo da Ordem possuir este nome éramos denominados de os “Penitentes de Assis”, outro fator preponderante da constituição da vocação franciscana.

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[1] Os Observantes normalmente são designados somente com a sigla OFM, mas historicamente podemos chamá-los carinhosamente de Leoninos, devido no dia 04 de outubro 1897 ter havido por parte do Papa Leão XIII, pela bula Felicitate Quadam, a junção das diversas vertentes que haviam se separado dos Frades Menores da Regular Observância (1517) numa única Ordem simpliciter dicti.

domingo, 30 de agosto de 2009

A relacionalidade implicada da vocação

A vocação, mais do que tudo que possa ser teorizado, é o grande dom doado por Deus a todas as pessoas. Mas, na sua configuração essencial, a pessoa é vocacionada a uma vida de relação, consigo mesma, com outro, com Deus e com o cosmo.

Interessante a teoria astrofísica que afirma da relacionalidade biológica. Aplicá-la a noção de vocação não é de todo precipitado. Vejamos o que afirma o jesuíta William Stoeger: “Para que ocorra a evolução biológica, pressupõe-se toda a física e a química, bem como as capacidades auto-organizadoras que fluem desses aspectos fundamentais da natureza. Elas implicam, em cada nível, relações importantes que possibilitam que sistemas novos e mais complexos surjam a partir de sistemas mais fundamentais.”[1]

Da capacidade de organização que a vida cósmica possui conseguimos compreender o milagre da estruturação de todos os sistemas estabelecidos no planeta e no universo. No nível vocacional vemos acontecer algo semelhante, mas nada acontecendo de modo espontâneo. Se, para que ocorra a evolução biológica seja necessário a física e a química e sua auto-organização básica, no chamado divino está implicado o desejo humano da realização da vontade de Deus e do desprendimento de todas as possibilidades de negação do chamado em anseios totalmente (ou somente) particulares[2]. Esse é pressuposto fundamental da vocação divina[3] sem o qual não se maximiza a experiência de Deus como serviço a humanidade.

Portanto, se a pessoa é vocacionada a relação, podemos afirmar que o chamado de Deus não constitui propriedade particular, mas o é de Deus e assim, de todas as pessoas. Isso nos faz compreender que somos seres essencialmente criados para o serviço.
MDT

[2] Não se pode negar de modo algum que, na dimensão da vocação, existe o fator dos projetos pessoais imbricados. Se negássemos isso estaríamos desprovindo o próprio ser humano de seus anseios particulares. Mas quando falamos de vocação temos que colocar como pressuposto essencial que nossos projetos nem sempre correspondem com a realidade tendo que ser acrisolados na fôrma da experiência vivencial.

[3] Vocação divina é a mesma coisa que chamado de Deus considerando a resposta humana implicada na liberdade do chamado.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

UMA FORMA SOCIAL SOLIDÁRIA DE PRODUÇÃO?

Escrito por Luiz Inácio Gaiger

O fenômeno da economia solidária guarda semelhanças com a economia camponesa. Em primeiro lugar, porque as relações sociais de produção desenvolvidas nos empreendimentos econômicos solidários são distintas da forma assalariada. Muito embora, também aqui, os formatos jurídicos e os graus de inovação no conteúdo das relações sejam variáveis e sujeitos à reversão, as práticas de autogestão e cooperação dão a esses empreendimentos uma natureza singular, pois modificam o princípio e a finalidade da extração do trabalho excedente. Assim, aquelas práticas: a) funcionam com base na propriedade social dos meios de produção, vedando a apropriação individual desses meios ou sua alienação particular; b) o controle do empreendimento e o poder de decisão pertencem à sociedade de trabalhadores, em regime de paridade de direitos; c) a gestão do empreendimento está presa à comunidade de trabalho, que organiza o processo produtivo, opera as estratégias econômicas e dispõe sobre o destino do excedente produzido (Verano, 2001). Em suma, há uma unidade entre a posse e o uso dos meios de produção.

De outra parte, o solidarismo mostra-se capaz de converter-se no elemento básico de uma nova racionalidade econômica, apta a sustentar os empreendimentos através de resultados materiais efetivos e de ganhos extra-econômicos. Pesquisas empíricas vêm apontando que a cooperação na gestão e no trabalho, no lugar de contrapor-se aos imperativos de eficiência, atua como vetor de racionalização do processo produtivo, com efeitos tangíveis e vantagens reais, comparativamente ao trabalho individual e à cooperação, entre os assalariados, induzida pela empresa capitalista (Gaiger et al., 1999; Peixoto, 2000). O trabalho consorciado age em favor dos próprios produtores e confere à noção de eficiência uma conotação bem mais ampla, referida igualmente à qualidade de vida dos trabalhadores e à satisfação de objetivos culturais e ético-morais. Esse espírito distingue-se da racionalidade capitalista – que não é solidária e tampouco inclusiva – e da solidariedade popular comunitária – desprovida dos instrumentos adequados a um desempenho sócio-econômico que não seja circunscrito e marginal.
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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A coragem de uma pessoa justa

Apóio o Senador Eduardo Suplicy, um dos poucos políticos dignos de respeito neste País e estou profundamente irritado, enrraivecido da chacota que estão fazendo de sua atitude em apresentar o cartão vermelho ao Senador José Sarney.

Vergonhoso nada ter sido apurado dos atos secretos do presidente do Senado.

Confesso que é grande a tentação de lançar palavras mais fortes de indignação àquela corja de bandidos..., mas este meio não me permite tal atitude.
Segue e-mail que lhe enviei hoje:
"Querido Senador,
Estou muito satisfeito com sua coragem de não se calar diante dessas vergonhosas cenas em nosso País. Não diminua a voz, não se intimide, pois sua excelência tem nosso irrestrito apoio e força de povo brasileiro.
Não se cale por favor. Grite ainda forte. O senhor é nossa voz. Por favor, grite mais forte... E se lembre de Dom Helder Câmara, que neste dia 27 de agosto lembramos de seu primeiro decênio de morte. Ele não se calou. Grite senador, não se cale, por favor."

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A verdade no mundo factual

Por frei Arnaldo Aragão Ofm Conv

Nunca será uma tarefa fácil ver o extraordinário na facticidade da nossa existência, mas fugir dela não é certamente o melhor caminho. O ser humano é contingencial e o seu mundo factual também o é. E nestas relações contingenciais, encontramos as respostas mais significativas para a vida. Diz a canção: “fugir da dor é uma loucura, fugir da dor é fugir da própria cura” – ou ainda – “as idéias estão no chão você tropeça e acha a solução”.
Solução aqui não podemos entendê-la como um resultado final de uma experimentação científica, pelo contrário, é uma pequena flecha que aponta uma possível direção segura, a qual nos permitirá saber, um pouco mais, daquilo que nos provoca espanto. O poeta, o filósofo, o crente, o cientista, o político, o líder, o libertário... estão unidos num único ponto essencial, a saber, a verdade, ou pelo menos deveriam estar, mas acredito que estejam, porque, do contrário, não seriam o que são.
Aqui verdade não é uma solução, nem parte dela, é, porem, algo anterior a todos os nossos questionamentos; ela é a casa do ser humano. Somente quem habita na verdade se liberta, diz Jesus. Sendo assim, nos perguntamos: de que forma Jesus Cristo é a verdade, o caminho e a vida? A resposta somente pode ser a mais óbvia, porque não podemos pensar o caminho, a verdade e a vida fora dele. Tudo tem o seu sentido na pessoa de Jesus. Tudo converge para ele. Neste Jesus não encontramos uma ideia mirabolante, mas o que existe de mais real.
Para entendermos isto é necessário que tenhamos um encontro com Jesus de Nazaré. A partir deste encontro perceberemos a importância do mundo factual. Mundo factual e verdade se encontram sem confusão e sem divisão. Esta casa do ser humano é a condução para a casa definitiva. Somente compreendendo o nosso mundo factual saborearemos a casa definitiva.
Imaginemos uma pessoa que procura uma agulha num quarto escuro. A única certeza que ela tem é que a agulha está no quarto. Porém, a escuridão, isto é, aquilo que não está evidente, atrapalha o encontro com a agulha. Imediatamente um raio ilumina o quarto e desaparece, a pessoa passa a ver aonde está a agulha; com o retorno do raio a escuridão continua, mas agora aquela pessoa sabe mais exatamente em que lugar do quarto o seu objeto se encontra. Jesus é este raio. O quarto é o nosso mundo factual. A agulha é o que de mais precioso devemos buscar para tê-lo conosco sempre. Pensar e agir assim cria uma nova ética, uma nova política, inaugura um novo jeito de ser religioso... traz já a terra prometida para o nosso meio, construindo assim uma sociedade mais justa e fraterna. Porque a verdade liberta.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Sob o poder de um novo deus

A reportagem é de José Castello e publicada pelo jornal Valor, 14-08-2009.

O economista e filósofo escocês Adam Smith (1723-1790) foi o primeiro a falar a respeito de uma "mão invisível" que levaria o mercador ou negociante a, mesmo sem decidir isso, "fazer o bem". Afirma Dufour: "A expressão que emprego - o divino mercado - não é uma metáfora, ela deve ser entendida literalmente: está postulado que existe uma religião natural". De acordo com ela, não é preciso ceder à santidade; basta deixar agir o interesse privado.
Por que um filósofo se interessa pelo estudo da sociedade ultraliberal contemporânea? O motivo é simples: no seu entender, o salto do liberalismo clássico para a sociedade ultraliberal produziu, além de mudanças radicais na realidade econômica e social, uma drástica alteração na noção de sujeito. Ela mudou os parâmetros a partir dos quais o sujeito se constitui.
"As mudanças na economia mercantil não são tão inócuas para a economia psíquica", diz Dufour. Mudou a economia, mudou o sujeito que nela se movimenta. O antigo sujeito que chegava aos consultórios de psicanálise era, em geral, um indivíduo "crítico e neurótico", isto é, guiado pelo desejo de compreender e pela retenção de suas pulsões. Problemas que levava para seu analista.
Afirma Dufour: "O novo sujeito que hoje se apresenta é acrítico e pós-neurótico". Compreender não lhe interessa mais, é algo que, antes disso, o entedia. O mercado promete atender a cada um de seus apetites - logo, em vez de reter as pulsões, ele as "resolve" com o vício, o mais frequente deles por drogas. Esse novo sujeito, acrescenta Dufour, "é levado a adotar condutas perversas (instrumentação do outro em função de seus gozos e interesses pessoais)". E, consequência final, "se ele não consegue fazer isso, ele se deprime, o que acontece frequentemente".
Drogas, perversão, depressão - marcas de um novo sujeito, figura típica de um mundo onde os padrões de regulação social se enfraqueceram ou desapareceram. Cenário despedaçado, nos sugere Dufour, que levou à grave crise financeira de hoje. O novo sujeito, além de tudo, habita um presente contínuo e imóvel. Argumenta Dufour que a nova religião do mercado "deixa um vazio quanto ao velho tormento humano da origem e do fim".Na nova vida ultrapragmática de hoje - extremo paradoxo - há um aumento da necessidade de transcendência. Essa necessidade, alerta o filósofo, "pode permanecer dentro dos limites do razoável, mas pode ir até os delírios fundamentalistas". Não é por acaso, portanto, que o fundamentalismo de vários matizes se espalha pelo planeta; sua disseminação é o avesso de um vazio que a nova realidade do mercado acentua. É o vazio criado pelo deus mercado que exacerba a onda fundamentalista. Ela não passa de sua contrapartida. Assim como a ascensão dos dogmas é o avesso do desprestígio do pensamento crítico.

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domingo, 23 de agosto de 2009

Deus e a cultura moderna - parte 2

Continuação da reflexão do dia 21 de agosto de 2009
Ademais, todo o clima cultural inaugurado no século XVII e XVIII passando por todos os campos do conhecimento determinava o imperialismo do saber prático, da razão instrumental, fundando escolas de pensamentos que difundiam uma nova filosofia e estilo de comportamento e pensamento. Todo este período constitui uma movimentação na vida das religiões incidindo na crítica bíblica, instaurando o reino da razão instrumental, a força dominadora da técnica, primazia da razão instrumental sobre a comunicativa, surge a era da informática; elabora-se um projeto de uma cultura única, racional; imerge o efeito desestruturante das ciências e tecnologias; toda as produções culturais se ocupam de uma elaboração para as massas, até mesmo as religiões, principalmente a cristã; isso tudo desemboca no discurso reivindicando liberdade, a busca da felicidade em contraposição ao discurso religioso sobre a renúncia, do sacrifício, do desprendimento, da abnegação ... e do individualismo.[1] De tudo isso que constatamos, Deus passa a ser uma “hipótese possível” e o clima é este, “armam-se hipóteses, que são submetidas à experimentação e manipulação controlada para processos definidos. Compreende-se o que se experimenta. Experimenta-se o que se experimenta. Experimenta-se o que se constrói.”[2] É neste ambiente em que devemos compreender como o homem concebe a Deus e interpreta a manifestação de na Deus na história, e como este mesmo homem moderno se posta ante esta revelação, porque é de “dentro de suas experiências que o ser humano interpreta a revelação. (...) Em outras palavras, parte-se da pergunta da significação da revelação para o homem de hoje. Isso implica que tal revelação lhe fala a experiência.”[3] Com o advento da modernidade, as religiões, especialmente a cristã ficaram sem saber como trabalhar com essas questões, e aponta a todo este sistema que emergia os pontos de vista escolástico. Houve um trauma no qual ainda deixava a deriva todo um modelo de fé estruturado em dogmas. “O diálogo com o homem moderno se fez difícil.”[4]
Porém, de acordo com a capacidade de integração e inculturação que caracterizou a comunidade dos primeiros cristão, as religiões e o catolicismo de modo especial se procurasse entender a “modernidade unicamente como empecilho à revelação, isto suporia, no fundo, uma interpretação, maquinação da história, como se pudesse haver um tempo histórico de reino do mal. As idades antiga ou medieval seriam tempos de graça e a idade moderna de pecado.”[5] E na verdade, não é isso o que acontece. Como sempre dizemos, “os tempos mudaram” e as religiões precisam aprender que respostas devem ser dadas a todos os homens. O cristianismo, de modo especial, ao apresentar Deus aos modernos necessita de um novo impulso no ânimo para tal empresa. Apenas não se pode, como o fazem aqueles de outras denominações, se utilizar dos meios e discursos econômicos para subornar e causar dependência no povo pela realidade das pessoas que não utilizam da reflexão para saber discernir a verdadeira fé, ou melhor, para seguir de modo conciso uma fé sincera sem ideologias de dominação e escravização rebuscados de tratamentos de uma oratória sem um princípio ético digno.
Contudo, fato evidente aos olhos da era moderna, para além do fenômeno que observamos linhas atrás é o ateísmo conseqüente. Podemos constatar que o ateísmo é fato generalizado. “A primeira vista, nosso mundo aparece como ateu em sua globalidade, de forma que pode dizer-se que o ateísmo é um fenômeno massivo característico de nosso tempo.”[6] É a conseqüência evidente de um período que se entregou à reflexão existencial que possibilitava a hipótese da não existência de Deus e da vida do homem sem ele, não admitindo outra realidade que não seja a fáctica. O que se ventila nas diversas modalidades de reflexão é a busca da compreensão do homem a partir de si mesmo e por si mesmo. A questão da autonomia da reflexão do homem em relação a Deus é fator que existe na realidade contemporânea que não se pode deixar de lado. Na atualidade existe o forte apelo a autonomia, a uma compreensão da liberdade bem específica, a independência financeira ao direito individual, a privacidade. Confirma Juan Lucas: “Trata-se de uma nova forma de humanismo que impulsiona à humanidade até a sua maioridade, rechaçando toda dependência e aspirando a uma autonomia completa do destino.”[7]
MDT
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[1] cf. LIBANIO, João Batista. Teologia da revelação a partir da modernidade. São Paulo: Loyola, 1992. p. 147
[2] LIBANIO, 1992, p. 117
[3] id. Ibid., p. 167
[4] id. Ibid., p. 167
[5] id. Ibid., p. 168
[6] LUCAS, op., cit., p. 284
[7] id. Ibid., p. 284

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Deus e a cultura moderna - parte 1

Desejo aqui explanar o relacionamento que o homem moderno procura estabelecer com Deus e a configuração da mens atual: uma sociedade toda globalizada e interligada mundialmente.

O estudo da configuração religiosa que a cultura moderna estabelece é uma tentativa de conhecer o que o ser humano atual é capaz de fazer ao construir vínculo com a divindade. Aqui não se exclui de modo algum a experiência religiosa pessoal, pois essa é uma construção que pode ser feita independente, mas que na maioria das vezes possui uma dependência cultural das estruturas sociais. Afirma Libânio: “A modernidade é mais que um simples momento da história. É um horizonte em que vivemos e dentro do qual praticamos nossa fé.”[1]
A sociedade atual elabora um discurso em que prevalece a soberania da razão, do verificável, daquilo que surge efeito, produz resultados. Até mesmo a busca da religiosidade vai nessa direção. Somente vale a pena participar de uma religião na qual eu consigo algum benefício pessoal, seja cura, seja enriquecimento material, dentre outros benefícios. Tudo tem que ser “quantificável” de algum modo. Libânio reafirma o império da razão: “A modernidade é, antes de tudo, o triunfo da razão.”[2] Da razão chamada prática que -- “institui-se em instância crítica das tradições e autoridade, ao fundar-se sobretudo na verdade da experiência científica, que se constitui através da observação do real”[3] – pode-se constatar uma “criminalização” da experiência religiosa da pessoa que se põe na busca do conhecimento de Deus.
Aqui faz-se mister estudar a distinção entre a fé no “Deus concreto” da revelação e essa compreensão moderna da razão prático-científica da constatação e experimentação. Para o pensamento moderno a revelação pertence à infância da cultura. Sua posição é assumida pelo reino da razão positiva.[4] Toda a concepção de revelação cunhada pela fé da experiência no Deus do povo de Israel perde sentido pois a Deus não se pode tocar e para superá-lo nós podemos explicar a origem das coisas pela evolução da vida dos homens, da história. Por ora, compete-nos conhecer essa razão que cobra experiência, constatação, porém, descarta outro modo de conhecimento e de experenciação da realidade.
MDT
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[1] LIBANIO, João Batista. Teologia da revelação a partir da modernidade. São Paulo: Loyola, 1992. p. 113
[2] id. ibid., 1992, p. 117
[3] id. Ibid., 1992, p. 117
[4] cf. LIBANIO, op. Cit., p. 117

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

PANDEMIA DE LUCRO

Uma reflexão que venho fazendo algum tempo, desde que apareceu esse problema da GRIPE A H1N1, em plena crise mundial, quando nossas esperanças da queda do sistema atual do capitalismo iria acontecer, emerge nesse frenesi quanto a uma gripe controlável. Não estou querendo dizer que não se deve cuidar para sua ampliação e de que as medidas que foram tomadas tenham sido erradas, mas a reflexão do porquê não pode ser deixada de lado. Leonardo Boff torna isso palavras de mais peso para nós. Acompanhe:

Por Leonardo Boff

Que interesses econômicos se movem por detrás da gripe porcina?... No mundo, a cada ano morrem milhões de pessoas vítimas da Malária que se podia prevenir com um simples mosquiteiro. Os noticiários, disto nada falam! No mundo, por ano morrem 2 milhões de crianças com diarréia que se poderia evitar com um simples soro que custa 25 centavos. Os noticiários disto nada falam! Sarampo, pneumonia e enfermidades evitáveis com vacinas baratas, provocam a morte de 10 milhões de pessoas a cada ano. Os noticiários disto nada falam! Mas há cerca de 10 anos, quando apareceu a famosa gripe das aves…os noticiários mundiais inundaram-se de notícias… Uma epidemia, a mais perigosa de todas…Uma Pandemia! Só se falava da terrífica enfermidade das aves. Não obstante, a gripe das aves apenas causou a morte de 250 pessoas, em 10 anos…25 mortos por ano. A gripe comum, mata por ano meio milhão de pessoas no mundo. Meio milhão contra 25. Um momento, um momento. Então, porque se armou tanto escândalo com a gripe das aves? Porque atrás desses frangos havia um “galo”, um galo de crista grande. A farmacêutica transnacional Roche com o seu famoso Tamiflú vendeu milhões de doses aos países asiáticos. Ainda que o Tamiflú seja de duvidosa eficácia, o governo britânico comprou 14 milhões de doses para prevenir a sua população. Com a gripe das aves, a Roche e a Relenza, as duas maiores empresas farmacêuticas que vendem os antivirais, obtiveram milhões de dólares de lucro. - Antes com os frangos e agora com os porcos... - Sim, agora começou a psicose da gripe porcina. E todos os noticiários do mundo só falam disso… - Já não se fala da crise econômica nem dos torturados em Guantánamo …Só a gripe porcina, a gripe dos porcos… - E eu me pergunto: se por trás dos frangos havia um “galo”, por trás dos porcos… não haverá um “grande porco”? A empresa norte-americana Gilead Sciences tem a patente do Tamiflú. O principal acionista desta empresa é nada menos que um personagem sinistro, Donald Rumsfeld, secretario da defesa de George Bush, artífice da guerra contra o Iraque… Os acionista das farmacêuticas Roche e Relenza estão esfregando as mãos, estão felizes pelas suas vendas novamente milionárias com o duvidoso Tamiflú. A verdadeira pandemia é de lucro, os enormes lucros destes mercenários da saúde. Não nego as necessárias medidas de precaução que estão sendo tomadas pelos países. Mas, se a gripe porcina é uma pandemia tão terrível como anunciam os meios de comunicação...Se a Organização Mundial de Saúde se preocupa tanto com esta enfermidade, porque não a declara como um problema de saúde pública mundial e autoriza o fabrico de medicamentos genéricos para combatê-la? Prescindir das patentes da Roche e Relenza e distribuir medicamentos genéricos a todos os países, especialmente aos pobres, essa seria a melhor solução. Mais ética, sensata, responsável e humanamente justa, ao menos...

PASSEM ESTA MENSAGEM COMO SE TRATASSE DE UMA VACINA, PARA QUE TODOS REFLITAM SOBRE UM ÂNGULO DIFUSO DA REALIDADE DESTA “PANDEMIA”.

sábado, 15 de agosto de 2009

A modo de continuação

Seguindo as reflexões anteriores (dias 28/07/2009 e 03/08/2009) procuramos neste breve trecho abordar como fica a questão da fé no mundo factual.
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Por frei Arnaldo Aragão ofm conv
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A princípio é bom ter presente que ninguém profere palavras sobre algo desconhecido. Em matéria de fé não podemos pensar ou proferi palavras fora da própria fé; pois quando falamos sobre fé logo nos vem à mente palavras tão conhecidas nossas, a saber, Deus, Jesus, Espírito Santo, céu, transcendência, ressurreição, vida eterna... estamos envoltos nestas palavras, porém podemos tê-las de dois modos:
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A modo de ciência e a modo de encontro/chamado

Falar da fé a modo de ciência é ter diante de si um objeto-objetivado do qual proferimos elucubrações sobre sem necessariamente nos comprometer com este determinado objeto – existente aí fora de nós; falar da fé a modo de encontro/chamado não pressupõe uma relação divida entre sujeito-objeto ou causa-efeito ou ainda eu-mundo, pelo contrário, eu e o mundo circundante contingencial somos um, sem confusão e sem divisão, porque se estamos falando de encontro que temos claro quem é o transmissor e o receptor.
Vejamos dois exemplos bíblicos que nos ajudam a visualizar isto que proferimos: Respondeu Faraó: “Quem é Iahweh para que eu ouça a sua voz e deixe Israel partir? Não conheço Iahweh, e tampouco deixarei Israel partir”. Eles disseram: “O Deus dos hebreus veio ao nosso encontro”. (Ex 5, 2-3a). Moisés e Aarão sabem claramente qual a sua missão e quem os incumbiu dela.
“Crede-me:
eu estou no Pai e o Pai em mim.
Crede-o, ao menos, por causa dessas obras”.
(Jo 14, 11). Sem adentrar muito nos diversos questionamentos teológicos que este versículo propõe, ficaremos naquilo que ele sugere a primeira vista, a saber, que Jesus aos poucos tomar consciência da sua missão e sobre quem o incumbiu para.

Nestes dois exemplos não encontramos uma explicação “justificacionistas” de Deus; estes personagens que aí aparecem, a saber, Moisés, Aarão e Jesus sabem do que estão falando e porque estão agindo deste modo. Somente um buscar Deus no cotidiano da nossa existencial conseguiremos nos envolver com um Deus que está além da emoção e dos pios afetos propostos por essa sociedade sensacionalista. O grande risco que essa sociedade apresenta é o de transformar o Deus de Jesus Cristo num espetáculo, onde o mistério desaparece e o nosso EU aparece gratificando-se com lágrimas e gritos emocionais. Fé não pode ser compreendida como sentimento, é encontro. Não podemos pensar Deus fora do mundo factual, mesmo que, às vezes, preferimos fugir dele. A grande tentação do Cristão é querer buscar soluções fora do mundo circundante.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O amor é força criativa

Frei Maximiliano Maria Kolbe, franciscano conventual da Polônia, prisioneiro na Segunda Grande Guerra Mundial, no campo de concentração de Auschwitz, foi o sinal do amor no inferno de ódio. Costumamos chamá-lo, com o papa João Paulo II, de “o padroeiro deste século difícil”. Franciscano atual por seu empenho na evangelização, utilizava dos melhores maquinários de imprensa de seu tempo para a difusão da devoção à Imaculada, enquanto para si dividia um sapato com outro confrade: “Consagrar o mundo inteiro a Cristo pela Imaculada”, é hoje o tema inspirador de pessoas dos meios de comunicação, que no Brasil também encontraram inspiração em Maximiliano para anunciar o Evangelho.
Quando estava preso no campo de concentração, todos se impressionavam com a presença de espírito de Kolbe comunicando esperança e a presença de Deus que parecia esquecido. Enquanto os mais desesperados pensavam somente em “cada um por si”, este frei queria partilhar do pouco alimento que ganhavam, sendo certas vezes obrigado por outros a se alimentar.
A troca que Kolbe propôs, quando do preso que havia fugido e um pai de família havia sido condenado à morte no lugar daquele, foi o desfecho de um trabalho interior de “quando o indivíduo joga tudo fora pela pérola de maior preço e se torna um com Deus, então – como grande rio silencioso oculto sob o fio d’água visível no leito de areia – sob as preocupações reais e os cuidados de cada dia, como disse o próprio Kolbe, há paz e alegria inexprimíveis.”[1] E todos se sentem também dentro do mesmo espírito.
Ele ensinava para seus confrades: “Deus é amor e, como o resultado deve ter semelhança com a causa, tudo que foi criado vive de amor. Não só ao buscar nosso último fim, mas também em toda ação e todo momento do dia, a principal força motivadora deve ser – o amor”.[2] O contrário do amor não é somente o ódio mas a indiferença que, como afirmou Kolbe, “é em nossos tempos uma doença quase epidêmica, que se propaga de diversas formas.”[3] Quando em 1941, no dia 14 de agosto, Maximiliano, após duas semanas no bunker da fome, ainda vivo, recebe uma injeção letal de ácido fênico e é incinerado inesperadamente no dia da festa da Assunção de Maria, constatamos o verdadeiro sentido da vida cristã: dar a vida gratuitamente em serviço do humano, especialmente onde a injustiça é a força motivadora. Em uma de suas meditações, no dia 31 de dezembro de 1917, escreve: “Ama! Isso é tudo.”[4] Ainda, em outra meditação do dia 4 de fevereiro de 1918 afirma que “o maior inimigo do amor de Deus é o amor próprio”[5], ou seja, a referência do amor não somos nós, mas o amor como deve ser vivido em Cristo. Por isso, rezemos ao nosso irmão:

“São Maximiliano Kolbe, cavaleiro da Imaculada, apóstolo do bem e da paz neste século difícil, verdadeiro frade menor, lembrai-vos que não há maior amor do que a vida pelos irmãos.”

Muito poderia ser escrito sobre São Maximiliano, mas fiquemos com esse pouco.
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[1] TREECE, Patrícia. Maximiliano, o santo de Auchwitz: testemunhos daqueles que o conheceram. Santo André: Edições da Imaculada. p. 152. 1996
[2] Id. Ibidem. p. 162.
[3] Ofício das Leituras, Próprio da Família Franciscana do Brasil. Petrópolis: Vozes/FFB. p. 225. 1999
[4] Centro Internazionale Milizia dell’Immacolata, Escritos de San Maximiliano M. Kolbe. Roma. p. 1638. 2003
[5] Id. Ibidem. p. 1639

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A claridade que faz melhor

Celebramos hoje o dia da querida mãe Santa Clara. Nascida em Assis, por volta de 1194, essa mulher ainda é para nós luz e esperança. Essa grande personagem da história humana se auto-denominava plantinha do pai Francisco, sabendo que em seu coração guardava também a herança advinda da vida do pobre de Assis.
Assim que entrou para o grupo dos Penitentes se dirigiu ao abscôndito do silêncio na oração, no cultivo da altíssima pobreza, para no encontro pessoal e íntimo com o esposo Jesus, no seio da Igreja, gritar ao mundo a existência de Deus. Muitas foram as que a seguira na mesma vida de reclusão, como sua irmã Inês e um tempo depois a outra irmã Beatriz e a mãe Hortolona, esta “que devia dar a luz a planta frutífera no jardim da Igreja, também era rica de não poucos frutos” (LegCl 1, 9).

As então chamadas Damas Pobres, atualmente Clarissas, ainda hoje vigorosas no mesmo empenho de Clara, são sinais do caminho certo para Deus em sua forma de vida simples e alegre. No olhar e nos gestos demonstram o que é importante na vida e que uma só coisa é necessária.
Como expõe com espanto o frei José Carlos Correa Pedroso ofm cap, é muito interessante a recomendação de si mesmo que o Cardeal Hugolino, nos seus quase 80 anos, faz numa carta, em 1220, dirigida à jovem Clara de aproximadamente 26 anos: “À caríssima irmã em Cristo e mãe de sua salvação, dona Clara, serva de Cristo, Hugolino, ostiense, indigno e pecador, recomenda-se em tudo o que é e pode ser. ... Entrego-lhe minha alma e lhe recomendo meu espírito, para que, como Jesus entregou o espírito a seu Pai na Cruz, você também responda por mim no dia do juízo, se não tiver sido solícita e atenta por minha salvação. Estou certo de que conseguirá do sumo Juiz tudo que pedir com insistência de tanta devoção e abundância de lágrimas.”[1] Nesta carta podemos constatar para nós que a experiência de Deus não encontra barreiras nem de idade, condição social, cultura, ou qualquer outro tipo de coisa. Deus se oferece gratuitamente a todos. A história de Deus se faz em nossa história de vida também.
Muito se poderia dizer da espiritualidade de Clara, mas é admirável em seus escritos seu profundo atilamento espiritual, especialmente ao se referir a seu esposo íntimo. Vejamos, “a modo de conclusão”, esta passagem da Quarta Carta a Santa Inês de Praga: “... você desposou de modo maravilhoso o Cordeiro imaculado que tira o pecado do mundo, deixando todas as vaidades desta terra. Feliz, decerto, é você, que pode participar desse banquete sagrado para unir-se com todas as fibras do coração àquele cuja beleza todos os batalhões bem-aventurados dos céus admiram sem cessar, cuja afeição apaixona, cuja contemplação restaura, cuja bondade nos sacia, cuja suavidade preenche, cuja lembrança ilumina suavemente, cujo perfume dará vida aos mortos, cuja visão gloriosa tornará felizes todos os cidadãos da celeste Jerusalém, pois é o esplendor da glória eterna, o brilho da luz perpétua e o espelho sem mancha.”[2]
MDT
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[1] PEDROSO, frei José Carlos Correa. Fontes Clarianas. Petrópolis: Cefepal. 1994. p 9. 3ª ed.
[2] Id ibidem p. 211
Imagem de Santa Clara: http://cantodapaz.com.br/

domingo, 9 de agosto de 2009

A PERGUNTA POR DEUS

Na história da humanidade, o homem sempre se questionou e se deixou influenciar pela idéia[1] de que exista uma força capaz de ter criado a tudo e que ao mesmo tempo comandava toda a realidade. Nas diversas culturas humanas a idéia desta força superior se faz presente, mesmo naquelas culturas religiosas que veneram os elementos visíveis como o sol, a lua, ídolos, entre outros. Assim, torna-se evidente para todos nós que o fenômeno religioso sempre vem acompanhado da busca desta força superior algumas vezes visível, mas inalcançável e invensível. “Trata-se de uma inquietude que emerge em formas distintas nos momentos cruciais da humanidade, quando percebe mais profundamente a necessidade de sentido e cobra consciência do irreversível”.[2]
Podemos agora colocar a questão: por que o ser humano se inquieta tanto a ponto de querer afirmar a existência de um deus [3]? Mas, acima de tudo, podemos afirmar a necessidade do homem de tantas vezes explicar a realidade e também de justificar o porquê de tantas coisas e ainda mais buscar refúgio para suas necessidades querendo que essa força superior atenda os seus pedidos. Juan de Sahagún Lucas afirma que “as diferentes afirmações sobre Deus revestem então o caráter de aproximações graduais e complementárias a uma instância ou entidade misteriosa que confere sentido pleno a existência humana e fixa o destino da história”[4]. Dessa forma, a pergunta sobre deus quer ser uma afirmação sobre sua existência na medida em que busca sentido pleno da vida.
É verdade também que a pergunta por deus é também uma busca, porque essa idéia de uma força superior existe na história, nos antepassados, ou seja, constitui uma idéia que recebemos, que são passadas depois para cada nova geração. Por isso, perguntar-se é antes querer fazer a experiência[5] da divindade. Portanto, podemos afirmar com Juan Lucas que a pergunta sobre a idéia de uma força maior “não parte da ignorância total, mas de um conhecimento inicial imperfeito que deseja completar até o limite de suas possibilidades”[6].
Historicamente, a idéia sobre deus aparece a partir de uma insatisfação que inquieta o humano e o faz buscar uma realidade sem defeitos, absoluta e que seja fundamento de tudo e torna-se uma meta que plenifique a sua vida[7]. Por isso, se na história a idéia de deus se apresenta como uma concepção preenchida de condicionamentos epocais, temos que ao longo do estudo também levar em consideração os acontecimentos de cada período histórico para podemos discernir sobre idéias afins de deus. “Daí a necessidade de distinguir entre o contexto tradicional e o atual no fundamento da questão de Deus[8].
O problema religioso se funda, antes de tudo, em uma experiência do sagrado, que se radica no indivíduo humano, embora fique condicionada na sua manifestação exterior às estruturas do grupo social em que o indivíduo se insere. Esta experiência pode ter no indivíduo maior ou menor intensidade, maior ou menor clareza, maior ou menor dinamismo, segundo a disposição psicológica de cada um. De acordo com estas disposições individuais, ele atua no grupo social acentuando suas tendências ou modificando-as como no caso dos grandes reformadores como Moisés, Jesus, Maomé e etc.
A vida humana, estendida entre seu nascimento e morte e determinada pela lembrança e expectativa, tem uma constituição essencialmente temporal. A própria experiência de Deus e seu conhecimento são transmitidos a nós seres humanos em termos históricos, e somente nestes termos históricos é que podem ser transmitidos[9]
Sem deixar de lado a objetividade e o valor da pergunta sobre deus, o que interessa neste momento é a questão de quem parte a pergunta sobre a divindade em cada período histórico, especialmente hoje, num horizonte de mundo no qual o homem tem trabalhado incansavelmente para desvendar seus mistérios[10] e coloca deus como uma hipótese de trabalho. “Cria, assim, um mundo tecnificado, cujas características principais são profanidade e o propósito intencionado de compreender-se a si mesmo e ao mundo que o rodeia prescindindo do metaempírico e transcendental”[11].
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[1] Será adotado o termo “idéia” em vez de “fé” para que não precisemos abordar sobre essa questão que não é conveniente agora.
[2] LUCAS, Juan de Sahagún. Dios, horizonte Del hombre. Madrid: Biblioteca de los autores cristianos. Sapiência Fidei: serie de Manuales de Teologia 2003. p. 3
[3] Não utilizo o termo deus em maiúsculo por não se referir a uma divindade específica de uma religião, mas no sentido genérico.
[4] LUCAS, 2003, p. 03
[5] A discussão sobre a questão da experiência da divindade não é para nós importante nesta postagem.
[6] LUCAS, 2003. p. 05
[7] cf. LUCAS, 2003, p. 05
[8]LUCAS, 2003, p. 03
[9]SCHNEIDER, Theodor (org.) Manual de Dogmática. Petrópoles: Vozes, 2002 v. I, 2ª ed, p. 53
[10] cf. LUCAS, 2003, p. 03
[11] id. Ibid, p. 06
MDT
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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Vocação, entre o querer e o dever. A liberdade como direito e obrigação do humano

Todo ser humano é um ser de desejos, projetos, planos, perspectivas, esperanças. A história humana se constrói a partir destes âmbitos primordiais. Mesmo quando houveram tragédias devido ao uso indevido destes dons, ainda assim não podemos deixar de nos admirar de dons tão magníficos. Mesmo que durante a vida alguém deixe de lado estas características, sempre acontecerão lampejos de querer que impulsionam e fazem crescer a si mesmo interiormente e todo o conjunto da sociedade humana. Isso tudo nada mais é do que o querer de Deus que nos ama assim e não de outro jeito.

Toda vocação imprime em si uma missão, que está orientada para o bem comum, caso contrário implicará em grave falha social. O grande especialista neste assunto, José Lisboa Moreira de Oliveira faz coro nesta certeza asseverando que “a vocação é, pois, o chamado de Deus dirigido a toda pessoa humana, seja em particular, seja em grupo, em vista da realização de uma missão ou serviço em favor da comunidade. Como tal atinge todos os seres humanos, pois todos e todas são convocados por Deus (...).”* Entrementes, toda vocação tem que responder a uma realidade externa que lhe é imprescindível, ou seja, sem uma real maximização (difusão) de suas ações para a repercussão de atos essencialmente possibilitadores concretos da vida em plenitude, a que todas as pessoas se destinam, não encontraremos uma organização social que torne vigente a distribuição igualitária dos dons recebidos.

O querer pessoal vem acompanhado do dever, da obrigação, o que nos faz acreditar que em tudo o que almejamos estaremos submissos às reais implicações das escolhas, pelo justo compreender e saber que não é a pessoa a criadora da vocação, senão Deus mesmo que concede. A iniciativa de chamar é de Deus e nós entramos nessa dinâmica respondendo de acordo com nossa liberdade (cf. Lisboa). Entender a vocação como encontro de duas liberdades que dialogam e, além do mais, dispor a liberdade no âmbito do direito pessoal e comunitário e também situá-la na linha do dever, muda nossa perspectiva de visão básica e corriqueira. O dever da liberdade foi sendo esquecido de acordo com o abuso que dela foi sendo efetuada. No Iluminismo, com a super exaltação da razão como luz e deus do homem (chegando ao ponto baixo de discriminar, denominando outros períodos de Idades das Trevas, como a Idade Média que se assentava sobre o alicerce da fé), causando um abuso sem precedentes da liberdade humana entendida como “faça o que der na telha”.

A Liberdade é o cerne mais fundamental da pessoa humana, por que é o que Deus nos concedeu de si mesmo. A nossa liberdade é a assinatura de Deus na criação toda.
MDT
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*OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da vocação: temas fundamentais. São Paulo: IPV/Loyola. 1999
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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Taizé, o escândalo da unidade

A reportagem é de Alberto Melloni, publicada no jornal Corriere della Sera, 03-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Quem sabe quantos são aqueles que, quando jovens, tomaram o trem rumo ao noroeste, fizeram a baldeação em Chambesy e Macon, com improváveis coincidências noturnas, o frio mesmo no verão, o ônibus para Cluny. E dali subiram aquela pequena colina da Borgonha da qual desceriam diferentes. Entre eles – centenas de milhares – se reconhecem na hora: porque pronunciam corretamente o nome de Taizé (ou "Tezé"). Na colina, vive há quase 60 anos uma comunidade monástica ecumênica, formada por jovens de diversas Igrejas que seguiram o sulco espiritual de luta e de contemplação de uma personagem de gigantesca delicadeza: Roger Schutz.
Suíço, pastor calvinista, frère Roger é um personagem chave da história cristã do século XIX. Assassinado por uma pobre moça com distúrbios psíquicos durante a oração do dia 16 de agosto de 2005, o prior de Taizé foi embora deixando atrás de si, caso raro na vida monástica, uma comunidade muito unida em torno à pobreza e à efetiva fraternidade: mas a sua experiência continua ardendo como um desafio para os de fora, naqueles ambientes que não digeriram a sua intuição de fundo – isto é, de que a vida cristã pode e deve antecipar o "ainda não" daquilo que vive.
Schutz é um daqueles cristãos que, no século passado, sentiu como um grito em sua própria carne a necessidade de superar o maior escândalo de sempre: a divisão entre os cristãos, estigma da divisão do mundo e dos corações ao mesmo tempo. Hoje, corre-se o risco de considerá-lo como um problema superado. Para frère Roger, a divisão das Igrejas foi escandalosa: e o seu modo de curar isso foi com a intuição de retomar a unidade aqui e agora, toda e logo, dentro de uma comunidade pequeníssima e monasticamente estável; criar em uma colina qualquer da Borgonha a profecia daquilo que irá ocorrer não porque alguém saberá produzi-lo, mas porque Cristo em pessoa o fará, reunindo os seus e mudando em desejo as indiferenças e o idioma diplomático teológico.Quando, em 1940-1949, uma comunidade assim concebida deu os primeiros passos de sua pré-história, o elemento da antecipação da unidade já estava presente. E tornou-se chave desde 1949, ano no qual os primeiros freis pronunciam os seus irrevogáveis votos monásticos, e Roger se torna formalmente o prior desse grupinho de protestantes que redescobrem o monaquismo em uma inocência restaurada. Esse ardor de unidade leva Roger e os "frères" a buscar muito rapidamente um contato com a Igreja católica e com a Igreja ortodoxa. E, depois do Concílio, Taizé – que havia sido, nos anos 40, refúgio para os judeus em fuga, depois lugar de acolhida de crianças órfãs, apoio para os alemães prisioneiros do pós-guerra – se torna o lugar onde os jovens de toda a Europa aprendem uma espiritualidade essencial, que mantém em equilíbrio uma abertura às tragédias do mundo e um ecumenismo vivido face a face, um diálogo direto e um clima de oração, uma vida visivelmente pobre mesmo que elegante (às 5h, o chá, como nas boas famílias, mas em xícaras de plástico que deixam um sabor de desinfetante...), os cânones polifônicos repetidos ao infinito e o grande silêncio de uma igreja onde os espaços não são barreiras, como em um quadro de Rothko.
Nesse clima precursor, a comunidade e milhares de hóspede praticam a intercomunhão: isto é, o acesso à eucaristia celebrada em grande parte segundo o rito católico, também por parte de protestantes e ortodoxos.
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Visite o sítio: http://www.taize.fr/

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Pequenas coisas, grandes mudanças. Para uma compreensão humana nas trilhas de Hans-Georg Gadamer

Por frei Arnaldo Aragão OFMConv

“Gentes simples, fazendo coisas pequenas em lugares não importantes, consegue mudanças extraordinárias”, ditado africano. Na sociedade atual há uma verdadeira apologia às coisas exuberantes. Sem dúvida, estamos na sociedade do espetáculo, no qual o ser humano não é o protagonista, e sim, um pseudo ser humano criado a nossa imagem e semelhança.
Neste ambiente chamado sociedade, ou mundo existencial, ou mundo epocal subjetivista o OUTRO perdeu espaço para o EGO. Este não é mais conjugado com o TU; desta forma, enterramos de vez o NÓS. Daí nos perguntam: o que estamos fazendo com nós mesmos? Qual o mundo que estamos destruindo? Que mundo estamos criando? Quem somos nós realmente? Donde viemos? Para onde vamos? Parece-nos que as “ciências modernas” não estão respondendo estas questões, pois estas “ciências” giram em torno de si mesmas e esquecem da questão fundamental: quem, de fato, somos nós?
A nossa amiga Filosofia chega a nos acalmar um pouco nesta questão por nos oferecer uma resposta mais segura acerca do ser humano, pois este pode significar as coisas e encontrar as significações que nelas existem.
A proposta teológica, por mais que fundamenta suas respostas no “Dado Revelado” também encontra dificuldade para atingir o âmago da existência humana. De um lado, dificuldade de transmissão do “Dado Revelado”, do outro, dificuldade de recepção deste “Dado”. É muito complicado numa sociedade do espetáculo apresentar propostas sérias partindo de pressupostos que não pressupõem o espetáculo. Neste o ser humano não está, mas somente parte dele, mesmo sendo ele que o promove.
O difícil do espetáculo não é o espetáculo em si, nem a preparação para, mas o depois, o dia seguinte, donde o mundo ordinário entra em cena. Onde o extraordinário é sucumbido pelo ordinário factual. Sendo assim, somente: “gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares não importantes, consegue mudanças extraordinárias”.
Vejamos que o mundo circundante não existe separadamente do sujeito, pois este é também o mundo circundante; somente numa relação dialogal com este mundo, diria Gadamer, chegaremos o mais próximo possível da verdade. E a verdade que liberta somente pode ser alcançada fazendo coisas pequenas, longe do espetáculo pós-moderno. Para pretender mudar alguma coisa, temos que não querer mudar nada exuberantemente. Nisso a natureza irracional está mais avançada, pois o diálogo ali está presente. Não há compreensão da verdade última do homem sem a abertura do nosso ser-para-o-outro.

sábado, 1 de agosto de 2009

Vocação: diálogo de liberdade

Iniciamos o mês vocacional na Igreja do Brasil e durante todo este período procurarei postar alguns textos neste sentido com o intuito de auxiliar na reflexão.

Sabemos com certeza que a palavra vocação vem do latim e significa chamado. Isso é chão comum. Talvez tudo o que podemos dizer sobre vocação seja chão comum, porque todo ser humano enfrenta essa realidade de num período da vida ter que se deparar de frente com sua vocação e desse modo tomar uma decisão firme de assumi-la. Logicamente, vocação é chamado a uma vida plena para si mesmo, mas acima de tudo é o serviço que oferecemos a toda a sociedade humana em vista do bem comum.

Eu não entendo antecipadamente vocação como coisa do padre e da freira, e nem vocação somente no âmbito eclesial, nem muito menos como profissão que se exerce ou coisas que se têm para fazer. Tudo isso constitui consequência. Na realidade, cada pessoa deveria falar de seu modo o que entende por vocação, pois como realidade humana, toca profundamente todas as dimensões da pessoa. Invade tudo aquilo que se refere à vida do homem e da mulher. Vocação é algo que nos plenifica e nos torna profundamente humanos (Lisboa).

Corremos sempre na tendência de encarar vocação como inclinação ou aptidão. Como afirma José Lisboa, “antes da inclinação encontra-se algo muito mais essencial; algo que fundamenta e dá sentido ao gosto pessoal e à tendência”* e que está longe de qualquer interesse particular de benefícios. Esse “algo muito mais essencial” que fala Lisboa é a realidade profunda do coração humano em que existe uma intransponibilidade cabal, sem o qual não poderia haver felicidade humana. Como afirmei acima, no coração de uma pessoa deve estar imbuído um profundo intento de serviço à sociedade humana, na construção de um viver comum onde há uma interconexão de vida e de ações essenciais. Isso para nós que somos cristãos chamamos de divino.

E vocação não pode ser entendida de outro modo senão como chamamento de Deus, independente do que “fazemos”, seja na vida civil seja na vida cristã. Pois, tudo o que se destina ao serviço do homem e do bem comum é sinal da presença do Espírito de Deus.
MDT
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OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da vocação: temas fundamentais. São Paulo: IPV/Loyola. 1999